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Críticas

Cineplayers

Uma sacrifício à história para privilegiar uma ação que agrade uma fatia maior de público.

6,0

Depois do fraco início da temporada de blockbusters nos EUA com Van Helsing, um dos títulos mais esperados do ano finalmente invadiu as telas de cinema de todo o mundo. No Brasil, o lançamento foi simultâneo com os EUA, não nos deixando com aquela aguinha na boca para ver o filme enquanto muita gente já o fez. Méritos totais para a Warner, que não falhou como a Lumière com Kill Bill: Volume 1 (e o 2 parece estar indo pelo mesmo caminho) e deu um passo a frente sobre as outras distribuidoras no Brasil.

Diretamente falando sobre o filme, tem-se de analisá-lo sobre duas perspectivas: se você conhece a história de Tróia ou se você apenas quer uma boa dose de diversão. Ilíada extremamente famosa em todo o mundo, a história de Tróia encanta por muitos e muitos anos diversas gerações de leitores. Helena, semi-deusa extremamente bela (a fria modelo Diane Kruger), foi disputada na sorte por diversos irmãos líderes gregos que a queriam como esposa. Em uma decisão amistosa, Menelau (Brendan Gleeson) vence e ganha o direito de se casar com Helena. Mas durante a festa de comemoração, Páris (Orlando Bloom) a leva para Tróia para firmarem seu forte amor mútuo. E é aí que começam os problemas não só de Tróia, mas também do filme. Não há como saber ao certo a dimensão da importância do casamento entre Menelau e Helena, portanto fica difícil entender porque a junção de 1.000 barcos gregos em direção a Tróia um pouco mais à frente, se resumindo a um simples ataque de ciúmes por parte de Menelau.

Isso é agravado pelo fator de não haver qualquer simpatia pelo casal principal, que não combina e não convence com o amor que deveria sustentar nossa afeição pela história principal, e como isso não acontece, os erros saltam ainda mais à tela. Os povos também são extremamente caricatos, sempre com aquela posição de que os troianos são bonzinhos e os gregos malvados. Os dois únicos personagens que escapam um pouco dessa estereotipada toda são Aquiles, interpretado excelentemente bem por Brad Pitt, e Odisseu, em um trabalho magnífico de Sean Bean (bem que podiam fazer um A Odisséia com ele e todos esses recursos, mas aproveitando as partes mitológicas da Ilíada original).

Aquiles tem, por sinal, bem mais espaço para seu desenvolvimento do que todos os outros personagens, inclusive que Heitor e Paris. Sabemos a motivação do personagem, o que passa pela sua cabeça, o conflito. É o personagem mais explorado e profundo na história. Eric Bana também faz um trabalho magnífico em Heitor, um personagem com presença de tela, força na fala e tudo o que um bom líder tem de ter. Essas virtudes ajudam um pouco na aceitação de que o que Páris fez, já que Heitor claramente tem noção da gravidade do ato do irmão mais novo e a todo momento renega a idéia de ter Helena em Tróia, mas sem nunca trair a confiança do irmão ou de seu pai Príamo, o rei da gigantesca cidade, interpretado magistralmente por Peter O’Toole. Há também uma mulher e um neném, o que equilibra essa balança de ‘chatura’ de Heitor quanto a questão a que se opunha.

Pela escolha da omissão de certos fatores históricos, caio na mesma crítica que fiz quanto à A Paixão de Cristo: o diretor, aqui Wolffang Petersen, confiou demais que as pessoas já conheciam a história que está sendo contada. Mas no caso de Tróia isso é pior, pois muita gente realmente conhecia a Bíblia, mas a Ilíada é um texto com a mesma complexidade, porém com menos estudo por parte geral do público. Isso resulta na melhor aceitação por parte da história para quem já não conhecia a Ilíada ou não esperava uma leitura mais profunda, que gostou de se identificar com as pequenas referências à história original incluída no filme.

A prova de que tudo é jogado na tela pode ser encontrado nos fatores mais fortes, aquelas situações que todo mundo está cansado de saber, e que deveriam ser os clímax da história (sim, pode haver mais de um). Claro que estou falando quanto ao ponto fraco de Aquiles, o magnífico Cavalo de Tróia e a duração extremamente reduzida do total do combate em tempo. Quanto a Aquiles, é simplesmente inaceitável que o filme tenha o final que teve sem ao menos o ponto fraco ter sido citado antes. Não é nenhuma novidade para nós, que estamos assistindo tudo e já conhecemos o mínimo da história, de que o calcanhar era o ponto fraco daquele monstro destruidor. Porém, e Paris? Simplesmente sabia que o ponto fraco daquele guerreiro era apenas acertá-lo no calcanhar? E para quem não conhece a história, será que fica aceitável que Aquiles tenha sucumbido apenas com aquele acerto? Não, dá não.

O cavalo de Tróia então, esse é pior ainda. Como o trecho mais importante da história poderia ser reduzido a uma ação de menos de 10 minutos? Isso é completamente inaceitável. Ao invés de um belo desenvolvimento, a importância da ação dos gregos foi reduzido a uma simples idéia de Odisseu para penetrar nos portões de Tróia. De onde vocês acham que surgiu a expressão ‘presente de grego’? E a magnitude do combate então? Foi reduzida de incríveis e colossais dez anos para simples doze dias. E por não haver história, tudo se torna um grande motivo para várias e várias pessoas se degladiarem das mais diversas formas possíveis. Se não fosse a mega produção pela parte técnica, o público não teria aceitado tão bem o filme.

Essa aceitação do público provém de cenas de ação extremamente bem feitas, onde toda a computação gráfica utilizada nunca salta aos nossos olhos, como em alguns filmes que pedem uma importante participação dos técnicos de CG. Em Tróia as batalhas realmente empolgam, divertem, fazem rir com as ignorâncias e cavalices dos personagens, enfim, nesse ponto o filme é completo. Existem dos mais variados combates, desde o famosíssimo confronto entre Aquiles (Brad Pitt) e Heitor (Eric Bana) até o colossal combate entre a defesa troiana e os 50.000 gregos a sua porta.

Resumindo tudo, Tróia tem uma infinidade de problemas quanto à construção da história, mas por ter batalhas muito bem feitas e divertidas, acabou agradando e atraindo uma boa parte de um público mais descompromissado ou que se interessou por identificar os vários detalhes históricos incluídos ou ainda aqueles que não esperavam algo tão profundo da história. Mas para os mais exigentes, que esperavam esse aprofundamento nas partes mais importantes, como eu, o filme acabou por parecer apenas uma grande maneira de Hollywood faturar mais uns milhões com a versão de verão de Tróia.

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