Sucesso na Austrália, no Reino Unido e nos nos próprios Estados Unidos, O Âncora - A Lenda de Ron Burgundy (Anhorman: The Legend Of Ron Burgundy, 2004) foi um fracasso considerável no Brasil. Não à toa, a Paramount alterou tão dramaticamente o título nacional de sua continuação. Pois, a estratégia de contorno da herança maldita deixada pelo apenas razoável filme original é não apenas acertada pelo ponto de vista mercadológico, como pela qualidade e relevância de Tudo Por Um Furo (Anhorman: The Legend Continues, 2013), capaz de tornar o humor rasgado de Will Ferrell, Adam McKay e cia. um elemento integrado a um roteiro mais consistente, além de explorar inúmeras referências inteligentes e oportuna reflexão sobre o jornalismo nos dias atuais. De antemão, que se diga que é uma grata surpresa num gênero tão desgastado como a comédia.
Casado e companheiro de bancada da outrora rival Veronica Corningstone (Christina Applegate), Ron Burgundy (Will Ferrell) vê a oportunidade de ascender para o horário nobre com os rumores de que o veterano Mack Tannen (Harrison Ford) irá se aposentar. É o que acontece com sua esposa, que se torna a primeira apresentadora de telejornal no melhor horário da TV nos EUA. A Ron Burgundy resta uma demissão humilhante, escurraçado como o pior âncora que seu chefe já viu. Desiludido com a profissão, Ron terá a oportunidade de se reerguer na carreira com o convite para trabalhar no primeiro canal de notícias 24 horas da televisão. E ao reunir sua equipe, formada pelos igualmente degenerados Brian Fantana (Paul Rudd), ChampKind (David Koechner) e Brick Tamland (Steve Carrell), Ron alcança seu grande sonho: se tornar o maior âncora da TV americana. E, de quebra, revolucionar o telejornalismo. Para pior. Para muito pior.
Isso acontece porque Ron Burgundy desarma seus superiores, preocupados com a “excentricidade” de seu comportamento profissional, com uma tese genial: de que o público não quer ser informado de fato; o público só quer ser entretido. Baseado nessa lógica, Tudo Por Um Furo aponta para a crise enfrentada pelo jornalismo atual mundo afora, e a partir daí explora a imbecilidade de seus personagens. E esse é seu grande mérito. Perceba: Brick, o homem do tempo que sofre de sérios distúrbios, fica encarregado de anunciar os desastres naturais, porque a gente adora uma catástrofe; Brian, o delinquente das variedades, vai tratar de peito, bunda e crack; Champ não faz nada além de mostrar os "home runs" da rodada e urrar "Whammy!", o que é basicamente o que a nata do jornalismo esportivo de nossa TV aberta consegue fazer; e Ron, que exige uma tela cheia de gráficos incompreensíveis (alô, Bloomberg!) e pílulas de notícias que passam mais rapidamente que o necessário para serem assimiladas. Mas a sacada que leva o âncora ao estrelado é, de fato, a mais importante: instintivamente, Ron ordena que entre no ar a perseguição aérea de um carro em fuga, e começa a narrá-lo inventando motivações, perfil psicológico, até o tipo físico (2,07m de altura e 70 quilos: o bom roteiro pontuando o ridículo da situação) de um fugitivo absolutamente desconhecido.
Assim, os roteiristas Adam McKay e Will Ferrell transformam o ficcional Ron Burgundy no mentor da inundação de porcaria no telejornalismo atual da vida real. Esse subtexto crítico e relevante é o que sustenta as situações surreais, o pastelão e o humor negro que conduzem o longa, numa fluidez entre comédia e crônica social extremamente satisfatória. Uma nuance inspirada é a saudação de Ron Burgundy, que não deseja apenas um “Boa noite!” aos espectadores, mas uma noite americana. É o entretenimento barato, a segunda parte do pão e circo que satisfaz uma sociedade medíocre, justificado no ufanismo tão caro aos canalhas (sejam eles da palavra, sejam eles do colarinho, diga-se). A censura e a parcialidade de certos veículos de comunicação também têm destaque, como quando a equipe de Burgundy tem uma matéria proibida de entrar no ar por se tratar de uma denúncia contra a companhia aérea do dono da GNN News.
Pontuado com incontáveis piadas sutis e inteligentes (a exibição de golfinhos no Sea World ser patrocinada por uma petrolífera irá passar despercebida do grande público), em geral explorando a diferença entre o tempo em que o filme é ambientado e os dias atuais (apesar de não valer um centavo, Brian parece mesmo não imaginar que seus grandes amigos de orgias O.J. Simpson, Phil Spector e Robert Blake teriam sérios problemas com a polícia envolvendo mulheres), a comédia investe a maior parte da projeção na linha escrachada do original, e Ron Burgundy segue misógino e preconceituoso como nunca. Porém, até mesmo ele tem a oportunidade de se redimir, posto diante de um dilema entre a carreira e a família – outro problema do homem contemporâneo.
Refém de alguns problemas graves de edição e de cortes que aceleram o filme – e tornam injustificado um problema de saúde que o protagonista enfrenta – no terço final, Tudo Por Um Furo ainda traz consigo um humor e personagens que, à exceção do ingênuo e carismático Brick, não parecem se encaixar com o perfil do público brasileiro. Mas é um filme que justifica o valor do ingresso e sua existência, concentrando a redenção da série e as principais qualidades desse novo filme em seu espetacular clímax: numa reedição surreal da batalha campal entre jornalistas de O Âncora, Ron e seus amigos terão à frente equipes de telejornais de diversos segmentos e nacionalidades, reunindo participações especialíssimas numa brilhante sátira aos estereótipos de cada nicho e ainda apontando para uma suposta saturação de um jornalismo cada vez mais diversificado. Humor inteligente, como pouco se vê. Surpreendente comédia com conteúdo.
ain\'t even mad
rapaaaaz, nem sabia da existência desse
o primeiro eh muito bom, porra, eu gosto do Will Ferrell
Normalmente continuações assim não costumam dar certo, mas como o primeiro é foda demais e o McKay permanece na direção...
Não sei se é porque assisti o filme dublado, mas não assistimos o mesmo filme... me espantei com a nota. Tava até divertido, mas depois cagaram.