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Críticas

Cineplayers

Superação da zona de conforto.

7,0

Uma coincidência às avessas relaciona as duas melhores animações do ano até o momento: se Universidade Monstros (Monsters University, 2013) investe na sobriedade dos "limites do que se quer e o que se pode ter", Turbo (idem, 2013) é eficiente ao tratar justamente do contrário, optando por uma fábula infantil sobre a superação. É, de fato, um caminho fácil para tornar o filme simpático, mas é a dedicação de seus realizadores a essa proposta que permite uma reflexão ampliada a outros temas universais (perseverança, desejo, identidade), e que o transformam numa experiência agradabilíssima a todos os públicos.

E o diretor David Soren não perde tempo em fisgar seus espectadores. Já na primeira sequência, o público é carregado em um travelling frontal em primeira pessoa, rente à pista de um circuito oval, como que colocado no bico de um carro de fórmula (efeito pensado para o 3D, diga-se). Em off, o protagonista Théo narra sua corrida. Mas não, o protagonista não é um piloto; ele é apenas uma lesma que, apaixonada por automobilismo, assiste a corridas da tela da TV velha de um sótão abandonado, para ter a impressão de que é ele quem guia a máquina. Com inteligência, economia e elegância, Soren apresenta a paixão e o drama do protagonista, impedido de realizar seu sonho devido à sua natureza. Theo nos conquista de cara.

A DreamWorks remete a seu debute em Forminguinhaz (Antz, 1998) para a construção da vida pacata dos caracois, restrita a um trabalho de subsistência colaborativo em uma pequena horta. Tal condição vai de encontro com o desejo de Theo, incapaz de se identificar com seu grupo. Numa de suas andanças, solitário, Theo sofre um acidente e adquire poderes que lhe causam problemas. De excluído social a banido literal, Theo acaba sendo sequestrado por Tito, que o leva a participar de uma curiosa corrida de lesmas. Santa coincidência (ou esperta conveniência, do roteiro), oportunidade para Theo exibir sua supervelocidade. Ele se transforma em Turbo e na grande aposta de Tito para conferir visibilidade ao negócio falido do jovem empreendedor.

As semelhanças entre Theo e Tito vão além de seus nomes. Suas vidas se confundem e eles precisam se superar para conquistar o que desejam: Turbo é veloz, mas não passa de uma lesma; Tito, um imigrante mexicano em uma Califórnia decadente. Esse sentimento mútuo de inadequação ao meio em que vivem gera uma identificação que extrapola qualquer restrição, de linguagem a bom senso, e Tito inscreve Turbo nas 500 Milhas de Indianapólis. Em busca do sonho de vingar enquanto empresário, Tito realiza o sonho de Turbo. E pode conquistar o seu próprio, já que o prêmio milionário resolveria seus problemas financeiros.

Histórias de superação são mais que batidas, mas a DreamWorks lida com o tema de modo impecável. Abordá-lo pelo prisma do esporte, por exemplo, é muito pertinente, sendo os ouros olímpicos do atletista negro Jesse Owens em plena Alemanha Nazista e a imagem da maratonista suíça que atravessou a linha de chegada semi-consciente os exemplos mais impressionantes de perseverança e vitória. O automobilismo é bem explorado nas cenas de ação e, principalmente, na construção de Guy Campeón, egocêntrico como os pilotos costumam ser (Dias de Trovão [Days of Thunder, 1990] mostra bem isso). Este personagem, física e psicologicamente inspirado na lenda francesa Alain Prost, é perfeito para o embate estabelecido com Turbo, um ex-fã que se torna adversário devido a uma ambição em comum rivalidade que configura um admirável exemplo de desejo mimético e casa perfeitamente com a premissa da animação.

Duvido, no entanto, do potencial do filme conquistar filósofos e profissionais de ciências humanas, como acontecerá com as crianças. Elas que irão se divertir com as palhaçadas do Sombra Branca, encantar-se com o colorido neon das corridas noturnas (efeito policromático similar ao de Madagascar 3: Os Procurados [Madagascar 3: Europe's Most Wanted, 2012]) e ignorar a evidente falta de frescor por parte da DreamWorks. Porque, verdade seja dita: se a Pixar desenvolve uma prequel que se propõe a uma mensagem mais realista, sensata, e flerta com o politicamente incorreto ao ironizar tipos nerds com acidez, o estúdio responsável pelo ogro gentil Shrek (idem, 2001) e pelo panda atleta Kung Fu Panda (idem, 2008) nem insinua aventurar-se fora de sua zona de conforto, pois não ousa enquanto comédia ou desenvolvimento técnico/visual e repete convictamente a fórmula de subverter as limitações dos protagonistas de suas fábulas. 

Em suma, Turbo, o filme, é o melhor que pode ser dentro de um limite  o que jamais satisfaria Turbo, o personagem.

Comentários (10)

Paulo Faria Esteves | quinta-feira, 25 de Julho de 2013 - 13:15

A ideia do filme é de rachar a rir, muito bem pensada!😁 Mas o trailer é pouco promissor, fá-lo parecer um filme esquecível. Enfim...goste ou não goste, só sei que vou querer ver a versão original - Michelle Rodriguez!!! (*_*)

Robson de Souza | quinta-feira, 25 de Julho de 2013 - 14:35

É incrível como Pixar e Dreamworks passam por uma crise de criatividade, sem produções inovadoras.

Ricardo Nascimento Bello e Silva | quinta-feira, 25 de Julho de 2013 - 19:35

Concordo com Robson, ainda não vi o filme, mas poxa vida, dar a vida a corrida de caracóis é foda. Sem falar que desde que essa onda de corridinhas e etc, começou com Carros já era uma história pouco inovadora, dai montando em cima dela fica pior ainda...😕

Raphael da Silveira Leite Miguel | quinta-feira, 25 de Julho de 2013 - 22:59

Boa crítica, e pelo visto, o filme aborda mais do mesmo com eficiência, sem sair de uma zona de conforto. A nota saiu até alta né?

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