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Críticas

Cineplayers

Mais preocupado com a beleza de seus astros e de Veneza, o filme acaba se perdendo em um roteiro clichê e implausível.

5,0

Na mais recente edição da entrega dos Globos de Ouro, ocorrida na última semana, o apresentador Ricky Gervais causou mal-estar em parte da comunidade hollywoodiana com suas piadas ácidas, politicamente incorretas e, principalmente, críticas direta a filmes e astros consagrados. Entre os alvos do comediante britânico estava a produção O Turista, indicada a três prêmios na mesma noite – não obstante e péssima recepção da crítica. “Parece que tudo foi tridimensional este ano, exceto os personagens de O Turista” e “... está rolando um boato de que a única razão pela qual o filme recebeu indicações foi para que os votantes pudessem passar um tempo com Johnny Depp e Angelina Jolie, o que é bobagem. (...) eles também aceitaram suborno”, foram dois dos petardos disparados por Gervais.

Deixando de lado a (ridícula) polêmica gerada sobre os limites das piadas do ator, a questão que fica em relação a O Turista é apenas esta: Ricky Gervais – e, por extensão, a grande maioria da crítica norte-americana – tinha razão em seus comentários depreciativos sobre o filme? Sim e não. Sim, porque trata-se de uma produção que jamais encontra o seu tom, conduzida com incerteza por seu diretor e baseada em um roteiro que abusa de lugares-comuns sem o menor receio. E não, ele também não tinha razão, porque, enquanto tenha os seus diversos problemas, ainda assim trata-se de um filme que oferece charme suficiente e momentos agradáveis para entreter durante seus pouco mais de noventa minutos, beneficiado inclusive com a presença de dois dos maiores astros da atualidade – que, mesmo longe de seus melhores momentos, capturam a plateia sem muito esforço.

O mais interessante em uma análise sobre O Turista é o fato de que o filme tinha absolutamente tudo para dar certo. Além da presença de Depp e Jolie – mais do que estrelas, atores competentes –, a produção trazia no comando o alemão Florian Henckel Von Donnersmarck, responsável pelo belíssimo A Vida dos Outros (Das Leben der Anderen, 2008), e um roteiro assinado pelo próprio diretor, por Christopher McQuarrie, vencedor do Oscar por Os Suspeitos (The Usual Suspects, 1995), e Julian Fellowes, também vencedor do Oscar por Assassinato em Gosford Park (Gosford Park, 2001). O que, então, deu errado? Como tanto talento unido conseguiu construir uma obra tão irregular? Onde foi que o trem saiu dos trilhos?

Estas são perguntas capazes de gerar uma série de respostas possíveis – e nenhuma delas definitiva. Em primeiro lugar, trata-se de um filme despretensioso. O Turista, mesmo com tanto pedigree envolvido, jamais tenta ser algo mais do que uma boa diversão repleta de estilo, propósito no qual, de certa forma, é bem sucedido. Von Donnersmarck sabe filmar e é difícil encontrar em O Turista um plano desleixado ou uma cena que não consiga capturar todo o glamour e classe de uma superprodução com estrelas deste porte em um cenário como Veneza. Trata-se, indiscutivelmente, de um filme conduzido por alguém com um olhar estético apurado, um cineasta que, mesmo encontrando dificuldades em relação a encontrar o tom de sua narrativa, possui um estilo clássico de filmar, sem grandes afetações e valorizando ao máximo suas estrelas - e a comparação de O Turista com Ladrão de Casaca (To Catch a Thief, 1955), de Hitchcock, não é de todo exagerada.

No entanto, talvez seja aí que more o problema do trabalho de Von Donnersmarck neste filme. Recém-descoberto pelo mundo graças a uma pequena obra alemão que ganhou o mundo graças à qualidade, o cineasta parece um pouco deslumbrado com o seu primeiro grande trabalho hollywoodiano. Se as cenas de ação e suspense sem tensão alguma podem ser creditadas à sua falta de experiência no gênero, ainda assim era de se esperar que ele se focasse mais na condução da história do que unicamente na forma de fotografar seus astros. Este desvio de objetivo se torna claro quando O Turista oscila entre o romance, a comédia e o mistério sem muito equilíbrio, enquanto von Donnersmarck faz com que até mesmo os coadjuvantes do filme sintam-se embasbacados com a presença de Angelina Jolie – o que fica claro em sua caminhada pelo salão no baile, quando todos os convidados a observam como se não fosse apenas mais uma ali dentro.

Porém, todos hão de convir, é difícil não se deslumbrar com Angelina Jolie. Em O Turista, ela prova mais uma vez porque é a maior estrela de cinema da atualidade, assumindo com incrível propriedade a postura de diva. Este não é um filme para Jolie atuar, mas para iluminar a tela, tarefa na qual é inegável dizer que ela se sai maravilhosamente bem. Von Donnersmarck capta toda essa aura em torno da atriz, o que contribui para a ideia de sua personagem ser uma mulher misteriosa. Johnny Depp, por sua vez, opta por uma abordagem completamente diferente. O ator se despe de sua imagem de sex symbol e aposta na construção de uma pessoa totalmente comum, sem muitos atrativos, parecendo um grande bobão. Esta composição tem seus prós e contras: se é capaz de gerar alguns momentos divertidos, também prejudica de forma irremediável o desenvolvimento do romance entre os dois – a plateia entende por que Frank se apaixonaria por Elise, mas jamais aceita que o contrário poderia acontecer, especialmente em tão pouco tempo.

Aliás, este é outro dos problemas de O Turista. A relação que surge entre os protagonistas jamais se torna crível ou natural, soando apenas como recurso vazio de um roteiro artificial. Quando estão juntos em tela, Depp e Jolie têm boa dinâmica e alguns diálogos bacanas, mas jamais convencem como casal.  E, por se tratar de um filme construído em torno dessa ligação, a obra fica enfraquecida. Como se não bastasse, a aproximação entre eles é a apenas mais um dos clichês presentes na história, algo que não deixa de ser surpreendente ao se analisar o histórico de trabalhos realmente originais e com ideias novas dos roteiristas responsáveis pelo texto. Em O Turista, o espectador se vê diante de lugares-comuns típicos dos piores produtos do cinema norte-americano, como o fato de a polícia não acreditar no herói (mesmo que apenas checar os fatos bastasse para isso), o vilão caricato com sua dezena de capangas idiotas e cenas que logo se revelam sonhos.

Mais do que isso, a trama ainda aposta em diversas conveniências para que possa se mover (a maior delas logo no início: e se Elise sentasse em outro lugar no trem?), ao mesmo tempo em que tem todas as suas surpresas previstas de antemão pela plateia. Aliás, chamá-las de surpresas chega a ser elogio; no máximo, tratam-se de reviravoltas da trama, mas sem o menor impacto para os espectadores que já assistiram a qualquer filme do gênero. E, o pior de tudo, são revelações que fazem pouco – ou nenhum sentido – quando analisadas dentro do contexto geral. Para fechar, Von Donnersmarck, McQuarrie e Fellowes ainda entregam alguns dos diálogos mais vergonhosos do ano, como quando Frank diz “Mas eu estou apaixonado por você” quando Elise se afasta em um barco ou, tão ruim quanto, o momento no qual Shaw fala: “Sacrifiquei algo muito importante: a minha alma”. Sem qualquer exagero, fica difícil não sentir vergonha pelos atores ao ouvir falas como estas – ainda assim, como já dito, algumas trocas de frases entre os protagonistas são bem construídas.

Mesmo com sua parcela de problemas, a resposta exageradamente negativa da crítica em relação a O Turista talvez se deva mais a uma decepção do que necessariamente ao fato se tratar de um filme ruim. Considerando-se o currículo dos principais envolvidos, certamente era de se esperar algo de qualidade melhor, e não uma obra boba e frágil, desprovida de emoção. Ainda assim, está longe de prejudicar o currículo de alguém.

Exceto, talvez, o de Ricky Gervais.

Comentários (1)

Alexandre Carlos Aguiar | terça-feira, 20 de Dezembro de 2011 - 14:21

Se o filme tivesse sido feito por um cineasta desconhecido, estrelado por atores iniciantes e num lugar ermo, distante, poderia ter sido declarado como um excelente filme. Mas pôr Jolie e Depp em Veneza, com uma trama de ação e enredo bom, e não sair do zero a zero, foi um desperdício.

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