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Críticas

Cineplayers

A Última Noite, do mestre Altman, é uma grande decepção com ótimos momentos.

6,0

O cineasta americano Robert Altman, na sua longa carreira, quando acertou, foi ótimo, mas, quando errou, foi péssimo. Assim, ele fez obras-primas, como Nashville, M*A*S*H* e Short Cuts, seguidas de derrapagens grotescas, como De Corpo e Alma. A cada estréia, o público fica na expectativa: ou verá um grande filme (tipo O Jogador e Três Mulheres) ou tristezas lastimáveis (Dr. T e as Mulheres).

Poucos são seus filmes a que se podem considerar médios. Eles surgiram agora, na sua velhice, quando filmou Assassinato em Gosford Park e esse A Última Noite (A Prairie Home Companion), uma das atrações da Mostra Internacional de Cinema, de São Paulo, mas com estréia garantida no Brasil pela Imagem Filmes. É uma grande decepção com ótimos momentos. Não funciona porque o filme foi concebido em tom menor e dele não sai, pois a improvisação, o forte de Altman, é justamente o fraco do filme, com piadas frouxas, sem ritmo, num roteiro que prometia muito, mas não decola nunca.

Conta a história de um programa de rádio, gravado ao vivo num teatro na pequena cidade de St. Paul, no estado americano de Minessota. Apesar de esse tipo de programa já ter acabado há pelo menos 50 anos, A Prairie Home Companion resistiu ao tempo e continua sendo transmitido todo sábado à noite. Porém, a rádio foi comprada por um conglomerado texano, que pretende transformá-lo num estacionamento. O filme é, portanto, a última noite do programa, mas nem público nem artistas dão muita bola para o fato – simplesmente ignoram a notícia.

Exceto a abertura e o final, passados num restaurante perto do teatro, todas as demais cenas foram filmadas no teatro Fitzgerald (homenagem ao escritor Scott Fitzgerald) onde um programa semelhante existe hoje, escrito pelo roteirista e ator principal do filme, Garrison Keillor, jornalista da revista The New Yorker, autor de 16 livros e colaborador de vários jornais nos EUA, entre eles o Chicago Tribune. Com duas horas de duração (no filme, apenas uma), o programa tem uma banda própria, a The Guy’s All Star Shoe Band, animadores de palco e especialistas em fazer barulhos onomatopéicos. Todos participam no filme como eles mesmos.

Lili Tomlin e Merryl Streep simplesmente arrasam como a dupla de irmãs cantoras caipiras, ladeadas pelos ótimos Woody Harrelson e John C. Reilly. Todos cantam muito bem, sem dublagem, canções cafonérrimas de letras engraçadas, “lêem” cartas dos fãs no ar e fazem propaganda de anunciantes fictícios – na melhor delas, um anúncio de pizzaria que é uma sátira de “La Donna è Móbile”, de Verdi. Até que chega o Homem do Machado (Tommy Lee Jones), que vai demitir a todos e acabar com o show.

Harrelson e Reilly fazem a dupla de caubóis que só cantam bobagens de duplo sentido e fazem piadas machistas (“Sabe por que usam o termo TPM? Porque mal da vaca louca já estava sendo usado na época”). Tudo deles gira em torno de flatulência, fezes, sexo, masturbação e zoofilia, para desespero do diretor do programa, que queria uma despedida com classe. Enquanto isso, um anjo, Asphodel (Virginia Madsen), paira pelos camarins, ajudando as personagens a irem para o céu – ocorrem duas mortes durante o filme/programa. A descrição do anjo feita pelo vigia é ótima: “usava um vestido tão apertado que dava para ler na etiqueta: lavar em água morna e torcer levemente”.

Apesar da tarimba do elenco, há que se agüentar a canastrice sem graça de Kevin Kline e a falta de praticamente tudo da Lindsay Lohan. Os dois afundam um filme cheio de falhas. Kline tenta interpretar o segurança metido a detetive atrapalhado, mas suas passagens são constrangedoras (ele, que já estava ruim em Wild Wild West e Será que Ele É, piorou consideravelmente). Já Lohan nem é uma má atriz, porque ela nem sequer é uma para ser da pior espécie.

Por vezes o filme é irritante, muitas vezes engraçado, o tom baixo e melancólico é cativante, mas não evita o tédio. Há quem considere o filme um complemento de Nashville, filme que também teve o meio oeste americano e sua vida caipira satirizada por Altman. Em alguns momentos, o diretor começa a fazer política, uma vez que foi o “EUA profundo” o maior responsável pela reeleição de Bush e pela cruzada religiosa-conservadora que tomou conta do país. É quando Altman começa a exercitar sua veia aguda, implacável, fulminante. Mas parece que ele não estava muito interessado em levá-la adiante, seja porque já se cansou, seja porque não podia ou não queria – impossível saber.

Nesses momentos, tem-se um gostinho do que poderia ser um bom filme de Robert Altman – curiosamente, apesar de Minessota ser um dos estados mais conservadores e religiosos dos EUA, é lá que os democratas terão uma das mais simbólica vitória sobre os republicanos na disputa pela vaga do Senado. Mas Altman logo saca a sátira política por um trocada de peidos, e essa troca explica muita coisa do resultado do filme.

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