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Críticas

Cineplayers

Como um bom roteiro pode ajudar a afastar a idéia de repetição.

7,0

(Cobertura do Festival do Rio 2008)

Tão rápida quanto a surpresa de sua escolha como representante brasileiro à pré-seleção do Oscar, Última Parada 174 de Bruno Barreto chega a um festival, depois de ter entrado em circuito apenas na cidade de Jundiaí como estratégia para poder cumprir a tempo as exigências do concurso como representante ao Oscar.

Muita gente ficou de orelha em pé ao ouvir que mais um filme com foco na violência urbana carioca estaria em busca de reconhecimento internacional, depois da overdose Tropa de Elite, e sem contar as glórias de Cidade de Deus, já um pouquinho afastadas no tempo. Ainda mais quando se constatou o parentesco deste filme com outro já famoso, o documentário Ônibus 174 de José Padilha. E aqui se fecha o círculo que liga Última Parada 174 a José Padilha, e este à Tropa de Elite, que por sua temática se une a Cidade de Deus, assim como Bráulio Mantovani é roteirista tanto de Cidade quanto de Última Parada. Todas essas conexões levavam a crer na repetição para além da temática, mas há uma surpresa no fim do arco-íris dark deste filme.

Diminuindo o foco da lente de José Padilha, Bruno Barreto pega o desfecho trágico da história de Sandro, nacionalmente conhecido como o rapaz que seqüestrou um ônibus - e esteve sob as lentes da TV ao vivo, em rede nacional -,  partindo do fim para um miolo também conhecido, o de que este mesmo Sandro foi um dos sobreviventes de outra tragédia particular carioca, o massacre da Candelária, e o esforço ficou por conta de reconstruir ficticiamente as lacunas na vida de Sandro que não foram exibidas na TV aberta.

Esse é o ponto crucial de Última Parada 174, porque dependendo das escolhas feitas nesse momento o filme poderia descambar em duas direções: competência ou fracasso. E Bráulio Mantovani costura bem a trama e com uma pequena dose de anticonvecionalismo, deixa no final uma sensação de esperança no ar, depois do peso que joga nos ombros do espectador.

Então Sandro (Michel Gomes) ganha o apoio narrativo de uma mãe chamada Marisa (Cris Vianna) a quem encontramos na primeira cena, aquela que desenha a sua participação na perda do único filho para o traficante local, em pagamento de uma dívida de drogas. Assim é que o roteiro começa a ligar os dois personagens e enquanto Marisa se distancia do filho, Sandro (nessa fase representado por Vitor Carvalho) se distancia da mãe de maneira brusca, desenhando também o seu futuro trágico a partir da primeira cena.

Daí para frente vemos o jogo de gato e rato da mãe atrás do filho, do filho em busca de alguém pra chamar de mãe e o cruzamento dos destinos de Sandro e Alessandro (Marcello Melo Jr.), que sem saber possuem uma irmandade de condição muito mais forte que a consangüínea. Essa é uma das saídas melodramáticas que podia degringolar a coisa, mas que composta com cuidado acaba convencendo. Já o namoro de Sandro com Soninha (Gabriela Luiz), depois de um reencontro que traz de volta a namoradinha de Sandro dos tempos de Candelária foi o rancinho na cereja do bolo.

O trio de atores Michel, Marcello e Gabriela foi escolhido entre as várias iniciativas de teatro em comunidades da periferia carioca, outra ligação com os filmes de Padilha e Meirelles, e se configurou numa coisa tão bacana que Bruno Barreto chegou mesmo a alfinetar a super exposição midiática que os atores já consagrados vêm sofrendo, ocasionando um desgaste na imagem e na construção de personagens, segundo o diretor.

A reunião dessas boas e convincentes interpretações com a fotografia também competente de Antoine Herbelé – que na cena final do personagem de Marcello Melo Jr. explora um enquadramento bem no molde de alguns filmes, como direi, melodramaticamente impactantes – e o trabalho de Mantovani garantem a qualidade do filme, que se não imita seus antecessores em linhagem direta, também não agrega novidades à essa espécie de novo gênero do cinema nacional. O que fica dele é mesmo a constatação de que muita coisa errada acontece bem debaixo nos nossos narizes, e a cada dia fica mais difícil não admitir isso.

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