Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Derrapadas imperdoáveis de Bruno Barreto e Bráulio Mantovani resultam em um filme esquecível e irrelevante.

5,0

Seis anos após o documentário "Ônibus 174", de José Padilha, uma das tragédias mais tristes e televisionadas do nosso país ganha uma nova versão cinematográfica. Trata-se deste "Última Parada 174", ficção dirigida por Bruno Barreto ("O Que é Isso, Companheiro?"). Mal recebido por muitos críticos (nacionais e internacionais), o drama familiar e urbano idealizado e concebido por Barreto possui certa tensão (excetuando o final sem substância, obviamente) e evita, de forma objetiva, a busca por culpados para o destino imutavelmente fatal de Sandro do Nascimento - interpretado aqui com precisão por Michel Gomes. Mesmo assim, Barreto e o roteirista Bráulio Mantovani derrapam em vários momentos, apresentando um resultado esquecível e irrelevante.

Através dos planos dosadamente cortados por Barreto, acompanhamos, em um dos segmentos do enredo, a trajetória, até então desconhecida, de Sandro: a ausência de um ambiente familiar, seu envolvimento com os meninos da Candelária (ele foi um dos sobreviventes da famosa e covarde chacina), o uso de drogas, sua prisão (e posterior fuga). Paralelamente, vemos a história de uma mãe (Marisa, interpretada por Cris Vianna) em busca de Alessandro, seu filho tomado por traficantes no passado. Depois de ver Sandro - ou Alê, apelido ganho quando ainda criança de rua - pela TV, Marisa acredita que ele possa ser o filho procurado, partindo em seu encalço.
 
Responsável pelo roteiro de dois dos trabalhos mais expressivos do cinema nacional nesta década, "Cidade de Deus" e "Tropa de Elite", Mantovani embasa "Última Parada 174" com situações que emolduram o incerto protagonista, sempre o tendo como foco da narrativa. Nesse sentido, se por um lado não há julgamentos na história, por outro há o erro crasso de exibir e desenvolver (dentro do possível) um protagonista pouco interessante. Dessa forma, o espectador fica mais interessado nos obstáculos em si enfrentados por Sandro do que nos seus efeitos sobre o personagem. O roteiro erra ao não aprofundar questões potencialmente interessantes (como o massacre da Candelária) e ao não empregar de maneira satisfatória a dramaticidade da trama envolvendo a personagem Marisa. Contribuindo para isso, a direção de Barreto é simplesmente sem emoção - o que não é novidade na carreira do cineasta carioca.
 
O elenco do filme é composto por semiprofissionais e profissionais, algo novo na filmografia do diretor. Para alguns o único ponto positivo do filme, pode-se dizer que as atuações são boas, porém em nenhum momento impactantes. A despeito dos diálogos fracos e inexpressivos - supostamente mascarados ou por palavrões que a todo o momento pipocam da boca das personagens, ou por qualquer outra tentativa inútil de verossimilhança -, os atores dão certa credibilidade ao trabalho de Barreto, falho, principalmente, no clímax da história: o seqüestro do ônibus. Dos filmes nacionais recentes, "Última Parada 174" é o mais necessitado em termos de imagens realmente significantes em seu desfecho. Talvez por isso o resultado final seja esquecível e irrelevante.
 
Embalado pela trilha sonora melancólica de Marcelo Zarvos, o filme foge das costumeiras cores estouradas - característica do cinema norte-americano que vem sendo constante e irritantemente usada por aqui -, mostrando um visual convenientemente mais natural. Mérito aí para a fotografia do francês Antoine Héberlé (o mesmo de "Paradise Now"). Mas só o visual não compensa nem a incompetência de Bruno Barreto na criação de cenas elaboradas nem o roteiro limitado de Bráulio Mantovani, derrapadas imperdoáveis para um cinema tido como importante - ainda que haja certa tensão em boa parte do filme. Vale lembrar que "Última Parada 174", antes mesmo de ser lançado comercialmente, foi o selecionado brasileiro ao Oscar de melhor filme em língua estrangeira. Levando-se em conta que "Infância Roubada" já foi premiado nessa categoria, temos chance.

Comentários (0)

Faça login para comentar.