Sentimentos conflitantes parecem inevitáveis diante da exibição de Um Minuto é Uma Eternidade Para Quem está Sofrendo, filme filmado inteiramente com o celular de Wesley Pereira de Castro - e o filme ter sido exibido um dia após Uma Montanha em Movimento, de Caetano Gotardo, está longe de ser mera coincidência. Este é um dos chamados “filmes de pandemia”, aqui com uma estética caseira que o aproxima de um diário de anotações audiovisuais de uma figura em constantes desejos e pensamentos suicidas, intercalados por outros momentos de pura euforia e alegria. Wesley chora, filma o próprio pênis mijando, ri, goza, filma o próprio pênis mijando, exibe sua coleção de filmes, filma a chuva e o próprio pênis mijando, conversa com a mãe, faz anotações num caderno, filma o próprio pênis mijando e se masturba para provar o próprio gozo.
Cinema de expiações, tal qual o filme citado de Caetano Gotardo? Sim, mas também um cinema de exposições. Dentro do tema da 28ª Mostra de Cinema de Tiradentes, “Que cinema é esse?”, a indagação parece caber perfeitamente ao filme de Wesley, que, por sinal, possui um mestrado em cinema, artigos publicados e é membro da ABRACCINE, a Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Ao lado do co-diretor Fábio Rogeiro, os cineastas se interessam muito menos por qualquer coesão entre as transições de uma cena para outra e muito mais pela confusão e instabilidade emocional desse homem que enxerga no fazer seu próprio cinema uma estratégia de sobrevivência.
A frágil saúde mental de Wesley se torna o mote propulsor do filme, tão dotada de consciência sobre os processos de exposição pelos quais Wesley aceita se submeter (jamais vou esquecer da respiração do público na cena de seu ânus “piscando”) que existe um quê de assustador sobre os debates levantados pela imagem sobre o que é aceitável ou não estar na tela, dentro de um cinema, para diversas pessoas assistirem e serem convidadas a vivenciar, mesmo que num nível considerável de distanciamento, as angústias e alegrias de Wesley. Impressiona então a habilidade dos diretores, que também editam os 60 minutos de metragem, em lidar tão bem com as intercalações de intensidade das cenas.
Talvez o filme mais frenético dentro da Mostra deste ano, Um Minuto É uma Eternidade para Quem Está Sofrendo vai do céu ao inferno em poucos minutos, se em um momento você está assistindo a Wesley filmar um de seus momentos em que deseja morrer, no seguinte você estará rindo junto dele de galinhas subindo uma escada ou duas tartarugas cruzando. É um trabalho de autoimagem tão honesto e visceral que toda sua duração se torna um grande estímulo ininterrupto, onde a aleatoriedade se torna a própria narrativa, o próprio sentimento da obra em questão. Rimos de desconforto, rimos do que há de mais trivial. Buscamos lidar de alguma forma com as confissões de Wesley sobre seus pensamentos com a morte, enquanto o próprio ser humano real lida com essas questões tão íntimas diante dos nossos olhos. Neste caso, o já citado filme de Gotardo, apesar das semelhanças em proposta estética e fílmica, se torna uma antítese ao filme de Wesley, muito menos agarrado a questões filosóficas e artísticas que ostentam o filme de Caetano.
E diante do tema da Mostra, a própria obra se alinha quando seu diretor questiona se tantos materiais reunidos ao longo da pandemia da COVID 19 justificariam a elaboração de um longa-metragem. A autocrítica se faz presente de maneira bastante contundente, uma consciência, como já disse, assustadora de suas manias, impulsos, desejos, atitudes, e por aí vai. Novamente, é uma obra manipulada exclusivamente por seu próprio autor, ele é quem decide o que vemos, o que não vemos, o que experienciamos… que cinema é esse que não dá escolha ao público? O cinema do Eu só existe por si só caso seu autor seja ele, única e somente, o manipulador das imagens que irão formar aquela experiência? Óbvio que não será neste texto que encontraremos alguma resposta, e nem mesmo no trabalho da Mostra com este tema, mas já existe um debate lançado e, de tantos filmes de filmagens não convencionais exibidos, os questionamentos levantados pela experiência oferecida por Wesley se alinham perfeitamente ao estímulo pela procura dessa resposta.
Filme assistido na 28ª Mostra de Cinema de Tiradentes.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário