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Críticas

Cineplayers

História sensível e comovente em um clássico europeu de personagens fortes e marcantes.

9,0

Considerado o grande filme de Vittorio de Sica ao lado de Ladrões de Bicicletas (embora bem menos popular do que este último), Umberto D. conta, em sua narrativa, os problemas enfrentados por um senhor aposentado em uma Itália afundada na crise econômica. Apesar de possibilitar várias leituras, considerando os contextos políticos (governo irresponsável), sociais (crise de emprego) e até mesmo geográficos (Itália pós-guerra), a minha preferida é a mais óbvia, e é a leitura que vem da enorme sensibilidade da história. Umberto D. faz de tudo para sobreviver (dê uma ênfase ao prefixo “sobre”), e acompanhar sua jornada é simplesmente emocionante.

Apesar de se passar na Itália em um período específico da história daquele país (o pós-Guerra, quando a inflação devorava rapidamente o dinheiro do povo), a situação de Umberto Ferrari é atemporal e, também, poderia se passar em qualquer país. Desde os problemas comuns e mais abrangentes como o abandono dos idosos, governo irresponsável, arrogância dos ricos para com os pobres; até situações mais pessoais, como a solidão e a tristeza. O filme funciona como um prato-cheio de emoções tristes. Não há como não torcer para que Umberto encontre um final feliz. Mas, ao fazer isso, o espectador sabe que pode estar se enganando: como terminar bem com um cenário tão ruim ao seu redor?

Umberto tem apenas duas coisas com quem contar: seu cachorro (que acabaria por ser o responsável por um dos finais mais arrebatadores, em minha opinião, do cinema da década de 1950) e a empregada da pensão, uma jovem grávida que possui seus próprios problemas e, por isso talvez, entenda os problemas de Umberto muito bem. Todos os outros personagens significam adversidade: desde a dona da pensão até os velhos amigos que não querem (ou não podem) ajudar Umberto financeiramente. Por conta das adversidades, Umberto nem sempre consegue ser um personagem moralmente estável. Quando a necessidade aperta, ele é capaz de tomar decisões bastante desumanas, o que torna seu personagem completo e real, acima de tudo.

À época de seu lançamento, o filme foi um fracasso de crítica e de público. Talvez este não tenha gostado de assistir a uma história tão deprimente, sendo que o mundo ainda reconstruía-se depois da guerra. Hoje o filme é revisitado por críticos e cinéfilos e reverenciado como um ótimo exemplo de cinema, o que pode ser visto como uma atitude bem merecida. De Sicca conseguiu criar um filme cheio de complexidades que se mantém simples em sua essência, atingindo quaisquer objetivos que o diretor tenha almejado com total eficiência.

Tecnicamente belo, o trabalho do diretor italiano encontra-se situado em um momento de transformação do cinema. O filme encontra resquícios do cinema clássico, do expressionismo (longas sombras projetadas), mas serve para apresentar, de certa forma, o novo cinema, o cinema que ficaria famoso em Fellini, principalmente por este também ser italiano, e Antonioni. O cinema sendo utilizado como crítica social e política, mais do que nunca.

Agora, independente da técnica utilizada, o filme deixa sua marca na história do cinema é pela sua belíssima história. Como comentei lá no começo desta matéria, Umberto D. possui personagens muito fortes (mesmo o cãozinho tem grande importância e significado) e humanos, capazes de realizarem boas e más ações, geralmente com boas intenções (e por isso não há personagens estereotipados). Permanece aqui, então, a recomendação de mais um clássico do cinema europeu, tão ou mais valoroso que o popular Ladrões de Bicicletas.

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