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Críticas

Cineplayers

Uma epopeia de horror.

9,5

Em 1895, os irmãos Auguste e Louis Lumière, dois franceses, inventaram o cinematógrafo e, a partir dele, o marco zero do cinema. Em 1902, Georges Méliès, também francês, com seu Viagem à Lua (e outros tantos filmes) fundou o que conhecemos hoje como o cinema de ficção. Em 1915, D.W. Griffith, um americano, dirigiu O Nascimento de Uma Nação e com ele o cinema tomou forma de espetáculo e foi revolucionado, em técnica e complexidade narrativa. Em 1925, Sergei Eisenstein, um russo, dirigiu O Encouraçado Potemkin, modificou as técnicas de montagem e as utilizou como forma de discurso, tanto de cinema quanto político. Com Eisenstein, nasceu o cinema de arte. Em 1945, a Segunda Guerra Mundial teve fim e com ela o roteiro cinematográfico mais extraordinário e inacreditável já pensado, filmado e refilmado incontáveis vezes durante e a partir daí, por diversos diretores, na tentativa de compreender a lógica estrutural do grande “filme” de Aldof Hitler, um alemão. Em 1955, Alain Resnais, um francês, pesquisou imagens daquela guerra, somou a elas outras novas realizadas por ele em visitas aos “cenários” de 10 anos antes, os campos de concentração onde tudo havia ocorrido, e fez com elas Noite e Neblina, um documentário de 30 minutos, sobre o grito das vozes mortas que teimavam não se calar. Em 1985, Elem Klimov, um russo, decidiu fazer um retrato ficcional do que pode ter sido a realidade durante o tempo na guerra, a partir da visão de um garoto. Daí nasceu Vá e Veja e com ele uma nova revolução: pelo equipamento dos Lumière, pela ficção de Méliès, pela grandiosidade de Griffith, pela técnica de Eisenstein, pelas imagens de Resnais e pela história escrita por Hitler, Klimov inventou o horror no cinema.

Visto de um ponto de vista mais superficial, Vá e Veja segue uma cartilha simples e objetiva de como deve ser contada uma narrativa moderna, ainda mais se tratando de um filme de guerra. Um “herói” é escolhido e com ele passaremos o percurso pelo qual o filme nos conduzirá. O olhar do filme pertence a Florya, um adolescente da Bielo-Rússia que mora numa casa de campo com a mãe e duas irmãs, e brinca de soldado enquanto bombardeios alemães acontecem nas proximidades de sua vila. Florya é recrutado para lutar nos campos de batalha, que na verdade se resumem a acampamentos escondidos nas florestas do país, abandona a família e segue contente na esperança de defender a pátria. Quando se perde de seu batalhão, depois de um bombardeio aéreo, Florya passa a vagar por estradas, vilas e campos, sem nenhum rumo e nenhum sentido. Basicamente nada mais está vivo, nem as pessoas, nem a esperança. E qualquer coisa que ainda insiste em respirar, parece o fazer por inércia, não necessariamente pela luta. E é neste ponto que Vá e Veja se distingue de todo restante de filmes de guerra, justamente por não buscar um romanceamento ou distração do que realmente importa ao filme. No caso, o olhar sobre o absurdo.

Pelos olhos de Florya, vemos o horror absoluto. E são os olhos de Florya que olham o tempo todo para a câmera, para o público, entregando por si só o sentido do que Klimov pretende dizer. O garoto, que sai de casa feliz, apesar do apelo contrário da mãe, vai perdendo a inocência, a segurança, a esperança e o centro do olhar ao longo do trajeto. O filme se passa poucos dias, mas Florya parece envelhecer os 6 anos que a guerra durou, senão mais. Pelo olhar dele, temos dimensão do que pode ter sido a completa falta de possibilidades dos povos perseguidos pelos nazistas e através de seus olhos, tentamos buscar algum alívio na impotência das ações. Vá e Veja existe na ideia da composição da cena de modo objetivo, mas é quando sua câmera se torna subjetiva que Klimov atinge a totalidade de seu propósito.

Enumerar em um texto as seqüências de planos que desenvolvem a lógica narrativa do filme é inútil, assim como é inútil compreender a estranha beleza que Klimov arranca de algumas imagens como um virtuosismo estético planejado (como fez, anos depois, Steven Spielberg no plástico A Lista de Schindler). Vá e Veja pode parecer poético em alguns momentos, mas não porque a imagem captada se pretenda à poesia; dentro da poesia existe espaço para um horror tão grande que se torna capaz de abranger a imagem projetada e daí o sentido invertido da sensação criada. Por esta ordem e pela estruturação estabelecida por Klimov, Vá e Veja acaba se tornando um desses raros casos de filmes onde a reflexão sobre ele é quase desnecessária, pois o que realmente deve ser extraído dele são os efeitos causados no indivíduo – e para tanto, palavras são impossíveis. Dentro do próprio filme, as palavras vão perdendo sua vez justamente porque a imagem fala por si. E quando elas voltam a integrar a narrativa do filme, são inseridas como artifícios únicos, não como elementos capazes de modificar o discurso. São como as justificativas dos nazistas, no terceiro ato do filme, ou nos tribunais internacionais de guerra, ou na pergunta final de Noite e Neblina: quem na verdade é o responsável se ninguém é responsável? Só nos resta uma série de constações e a utilização de muitos “dois pontos” para tanto. Segundo um oficial nazista, tudo começa com as crianças. Na seqüência final do filme, Florya parece concordar com isso, mas ainda aponta, agora de modo definitivo, seu olhar para mais um culpado: quem vê. E estamos assim colocados numa mesma posição que os personagens do filme e que os personagens esmagados pela história: a de impotentes absolutos diante de uma constatação irrevogável. Pelo fade out final, podemos enfim fazer alguma coisa: respirar.

Comentários (2)

Leo | quarta-feira, 19 de Outubro de 2011 - 10:00

falto coisa aii

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