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Críticas

Cineplayers

Arte versus comércio.

4,5
Dan Gilroy apareceu para o mundo com o sombrio drama O Abutre, onde Jake Gyllenhall interpreta um jovem profissional do jornalismo que para conseguir emprego passa a vender imagens de acidentes graves para a mídia marrom. A espiral da loucura tocada em ritmo de filme policial fez do filme um dos mais comentados de 2014. Seu segundo filme, Roman J. Israel, Esq., foi pouco assistido e é até amargo dizer que se não fosse pela indicação de Denzel Washington a melhor ator em 2018, o filme teria passado em preto-e-branco. 

Agora, depois de fazer filmes sobre jornalismo e advocacia, mira em outro pilar social: Velvet Buzzsaw é um filme que se passa no mundo das artes plásticas, rodeado por pintores emergentes e veteranos, críticos de arte e comerciantes. Tocado inicialmente em tom de sátira, Gilroy logo apela para o gender bending (ou mescla de gêneros) e logo vai se transformando em um filme de terror.

A história de Josephina, agente de uma galerista que descobre que o seu vizinho suicida Ventril Dease era um pintor genial e que desobedecer as ordens expressas de destruir seus quadros após sua morte tem consequências sobrenaturalmente ruins, parece partir de uma certa insatisfação de Gilroy entre o encontro de algo subjetivo como a arte com um objeto concreto como o dinheiro. E é verdade: de acordo com entrevistas, Gilroy teria tido a ideia enquanto repousava em uma casa de praia após Superman Lives, filme de Tim Burton que teria se dedicado por mais de um ano, foi cancelado repentinamente pela Warner Bros.  

Bem, o ressentimento de Gilroy transformado em película não é completamente desprovido de valor. De início é divertido ver aquelas personagens cínicos e ridículos até a medula, com performances exageradas e nomes esdrúxulos como “Morf Vanderwalt”, “Rhodora” e “Jon Dondon”. Em sua segunda parceria com Gilroy, Jake Gyllenhaal diverte como o crítico de artes bissexual Morf, onde sua performance afetada e orgulhosa arranca riso e desconforto da plateia.

Mas aí, entra o terror. E como diria Rhodora, a feroz e implacável personagem de Rene Russo (Thomas Crown - A Arte do Crime), vender arte é menos sobre vender objetos realmente de valor e mais sobre vender objetos percebidos com valor agregado. A necessidade de comprar, vender e criticar arte no mundo elitista de Miami Beach é mais sobre status pessoal, menos sobre engrandecimento. 

Muito espertamente, o filme tem um ponto claro: nesse filme, a arte “prostituída” e reduzida a negócios (Rhodora chega a esconder grande parte das obras de Dease para poder vender mais em períodos de baixa) finalmente tem sua oportunidade de vingança, assassinando suas vítimas aparecendo em quadros, instalações e esculturas. E nessa crítica à altura cultura com seu verniz de sofisticação escondendo indivíduos profundamente desleais, elitistas, preconceituosos… Enfim, vazios.

Mas essa vingança que poupa os artistas esconde o tiro no pé: enchendo seus filmes com protagonistas como Gyllenhall, Russo, John Malkovich, Toni Collette, Gilroy cria uma espécie de Uma Noite Alucinante para quem jamais veria esse tipo de filme, não faz questão de ver esse tipo de filme e só verá Velvet Buzzsaw por causa do seu verniz de bom cinema, orçamento relativamente alto (21 milhões), vencedores de prêmios… Mas tudo isso disfarça um terror genérico e preguiçoso até dizer chega. 

Afora o súbito tom de sátira que toma seu terço inicial, o filme não segura o mesmo tom de sátira em seu terço de terror. O tom óbvio de deboche tem alguns elementos interessantes (todos os corpos sendo encontrados pela iniciante naquele mundo Coco, que vai subitamente se cansando de toda a sangueira) mas nas partes em que evoca o sobrenatural apenas faz repetir uma criação rasteira de jumpscares, música alta, personagens descrentes… Faltou, realmente, um Sam Raimi sabendo realmente implementar um “splatstick” (ou pastelão sangrento), construindo gags dentro do terror e não ao seu redor.

E nisso, olhando de esguelha para a alta cultura mas de nariz empinado para o terror - já que o comentário social sempre será mais importante e a lógica sobrenatural jamais se preocupa em ter qualquer coerência interna - o projeto do diretor que diz se inspirar em Robert Altman por usar recurso de múltiplas escolhas mais parece uma fileira de mortes encavaladas sem ter drama ou conflito nenhum.

No fim das contas, Velvet Buzzsaw não demonstra uma concepção realmente criativa para o gênero, seja para a tensão ou a sátira, constrói momentos extremamente previsíveis em seu desenrolar e é desnecessariamente longo após o ponto ser esclarecido, frequentemente ralentando o ritmo e a sensação de qualquer evento acontecendo. Decerto diverte em uma cena ou outra, mas o exorcismo verborrágico ficou pelo meio do caminho.

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