De tom farsesco e atmosfera construída sobre camadas de referências, Verde Oliva já se apresenta como um thriller assumidamente “de palmiano”, sem qualquer receio de ostentar as marcas do mestre. A homenagem a Brian De Palma é explícita, mas longe de soar como simples fetiche estético. Wellington Sari encontra nesse maneirismo um caminho para moldar seu olhar sobre o Brasil contemporâneo, usando os artifícios do suspense clássico ( a tela dividida, os planos de profundidade, a obsessão destrutiva dos personagens) para tensionar o real.
Sari já havia se debruçado sobre a obra de De Palma em um livro, e aqui canaliza essa paixão num exercício de cinefilia que, ao contrário do que se poderia imaginar, não engessa o filme: potencializa. Verde Oliva pulsa uma vontade de fazer cinema de gênero no Brasil sem disfarces, mesmo que isso implique se lançar num jogo arriscado entre a reverência e o improviso. É um filme que sabe o que quer ser e, ainda mais importante, sabe como usar suas referências como linguagem e não como ornamento.
Ainda que o filme flerte com a caricatura, essa escolha é pensada. Há um exagero proposital nas atuações e nos diálogos, e isso dialoga diretamente com a farsa política em que o país está mergulhado. João, o personagem que filma os eventos de 8 de janeiro de 2023 para uma obra ficcional, funciona como uma espécie de duplo do próprio diretor – não como espelho exato, mas como vetor do absurdo. E é justamente ao se permitir esse absurdo que Verde Oliva evita cair na armadilha do “filme-denúncia”, do panfleto literal. Não há espaço aqui para a sutileza fingida: o grotesco da política é tratado com uma estética igualmente grotesca.
Talvez o filme dependa demais da estrutura estética de De Palma, mas Sari não se furta de jogar esse jogo. Há, por exemplo, uma sequência no corredor de uma galeria que parece ser o momento-chave da obra: tudo o que o filme constrói até então converge para aquelas imagens. Esse ponto alto justifica até mesmo os solavancos que surgem especialmente no terço final, onde o ritmo se desequilibra e algumas limitações técnicas e de atuação começam a pesar. Mas não o suficiente para comprometer o todo.
No fundo, há em Verde Oliva um encantamento que atravessa toda sua curta duração. E esse encantamento nasce menos da fluidez da narrativa e mais do prazer em brincar com os códigos do cinema de gênero. Um prazer que se reflete também na escolha dos espaços: Curitiba, centro nervoso da polarização recente, é filmada com intimidade e cinismo. É um cenário que reforça a tensão entre o real e o encenado, entre o documentado e o farsesco.
Se o discurso político do filme corre o risco de ser visto como cínico, é porque o próprio Brasil tornou cínico qualquer discurso. Ainda assim, é justamente ao abraçar esse desconforto que Sari propõe algo raro: um suspense brasileiro que tem coragem de ser forma antes de ser tese. E quando se tem Gilda Nomacce como presença central e hipnótica, estranha, quase sobrenatural essa forma encontra em sua performance uma força que resiste a qualquer tropeço.
Verde Oliva pode até não ser perfeito. Mas é, sem dúvida, uma das experiências mais inventivas e desafiadoras do recente cinema de gênero nacional.
Filme assistido no Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba.
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