Adeus, Uno: o belo documentário-homenagem de Kawase para a avó.
Mais um filme bastante prejudicado pela péssima projeção na sala 3 do Estação Botafogo. Ainda assim, belo documentário autobiográfico da japonesa Naomi Kawase. Órfã, a cineasta foi criada por uma senhora mais velha, Uno – que se tornou uma mistura de avó e mãe para a diretora. Nesse filme, partindo da morte iminente da agora idosa matriarca, Kawase repensa por imagens a relação das duas.
Em Vestígio (Chiri, 2012) nos deparamos com diversos registros imagéticos que rememoram o laço familiar: fotografias de infância, tomadas que Kawase havia feito da avó em filmes anteriores, momentos recentes de descontração familiar entre as duas e o filho da diretora e as filmagens de Uno no hospital, já com pouco tempo de vida. Mais do que uma relação cronológica ou estética, Kawase coloca em relação pelo afeto tempos e registros em suportes diversos – como quem tenta responder incessantemente durante o filme à pergunta feita anteriormente por Uno: “você me ama agora tanto quanto eu te amo?”.
Como de costume no cinema da diretora japonesa, sobretudo em sua obra documental, a câmera de Kawase é completamente impertinente: não há separação entre vida e cinema, não há limites para que tipo de imagem pode ser produzida. Acompanhamos assim, sem distanciamento ou reservas, os momentos de extrema fragilidade de Uno em sua cama de hospital – e a comoção de Kawase com a situação, inseparável de sua obstinação em filmar ininterruptamente. Como uma declaração de princípios, o plano inicial do filme mostra o velho e enrugado corpo de Uno nu em uma banheira – fica explicito que não há intimidade que não possa se converter em imagem.
Ao não problematizar sua exposição e de sua família, Kawase reduz a tensão que esse procedimento poderia provocar. Mas, ao mesmo tempo, ela aliena o lugar do espectador. É como se Vestígio, no limite, fosse um filme feito mais para a própria diretora do que para qualquer outra pessoa: uma última revista no baú antigo de fotografias e vídeos, uma última declaração de amor para a avó querida. Se acreditamos que o filme não cai no vício do exibicionismo, em muitos momentos ele também não consegue transformar o particular em universal, o micro em macro e, em última instância, o pessoal em político. Sendo assim, um filme menor, ainda que não um filme pequeno.
Visto no 14º Festival do Rio
Que projeto ousado.
Filmar sua mãe de coração morrendo,filmar sentindo dor.
Já gosto da Kawase normalmente,agora pela força que demostrou.