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Viagem Extraordinária de Celeste García, A

(El viaje extraordinario de Celeste García, 2018)
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Críticas

Cineplayers

Políticas interplanetárias do riso

6,5

O diretor e roteirista Arturo Infante tem uma pegada tipicamente cubana em seu longa de estreia A Viagem Extraordinária de Celeste Garcia, uma ficção científica própria do Terceiro Mundo, como só um país situado nessa área poderia produzir. Não exatamente faltam recursos a Infante, pelo contrário, ele utiliza o fato de ser cubano para construir uma produção antenada diretamente ao seu país e realidade. Não é uma situação onde faltam recursos e o filme precisou encolher para ser realizado; é um caso de adequação narrativa a uma sociedade e a um cinema que funcionam em outra chave de registro, e isso é extremamente positivo pro resultado final. Sem se prender a amarras que criaram um gênero, o filme pode brincar com outras chaves de entendimento, adicionando a comédia, por exemplo.

A ficção científica é um gênero por si só muito livre, muito adaptável, cheio de possíveis camadas que agreguem discussão temporal, e Cuba é um país especificamente repleto de contradições e idiossincrasias. Uma das joias do filme é tratar dessa possibilidade de fuga de lá, de si mesmos, de uma realidade opressora para recomeçar sob outros códigos em um lugar totalmente novo. Então o filme acaba sendo constantemente metaforizado, com seus signos retrabalhando a todo momento não apenas o universo da personagem-título como todo o contexto político muito forte no país, ainda que a chave do humor seja a principal a ser acessada, e com ela poder provocar uma reflexão talvez mais eficiente e aproximada do público final ao acessar o popular.

O filme parte de uma premissa surreal, pra dizer o mínimo. O mundo saberia da presença alienígena entre nós há muitos anos e é chegada a hora de revelar isso a população, junto com um sorteio para viver no planeta Griok, escondido na constelação de Touro. As inscrições são livres, mas Celeste Garcia ganha um convite de uma vizinha que ela sempre imaginou ser russa, até descobrir que era uma autoridade do governo de seu planeta. Celeste estará então na primeira leva de viajantes cubanos, que precisarão de uma quarentena em um colégio na periferia à espera da nave que os levará. A partir dessa trama, Infante configura uma relação de intersecção entre o realismo e o artifício, utilizando a comédia como elemento de ligação entre as duas pontas, com resultados muito orgânicos.

Ainda assim, o fantástico tem lugar crescente no filme, saindo do planetário onde Celeste trabalha, indo até a presença alien entre a população, chegando a uma projeção demonstrativa no ambiente de quarentena, como parte do treinamento especial. Todas as cenas, no entanto, vão deixando o espectador confortável com um lugar farsesco do efeito visual. Quando no clímax do filme um elemento extraterrestre surge em cena da maneira mais eficiente possível, indo muito além do que se imaginava, a surpresa dá um reforço da ironia, como se tudo visto até aquele momento fosse obra de Cuba, ou seja, obviamente seria mais deficiente mesmo. Isso contribui para o tom absurdo, mas deixa um grau de reiterada melancolia no aspecto geral.

* Visto no 29º Cine Ceará, 2019

A atriz Maria Isabel Diaz conduz a trajetória dessa personagem de maneira especial e reservada, quase introspectiva. Sua interação com o resto do elenco é sempre modulado pra baixo, fazendo com que todos pareçam mais agudos que ela, além de quebrar o ritmo imposto pelo clima da própria produção, que joga a narrativa pra esse terreno metafórico e fantasioso, sempre mais arriscado que sua protagonista. Com muita humanidade,  o filme sobrevive ao tom empregado em tantos outros trabalhos e nesse eco com a situação do próprio país, que também não é necessariamente inovador, mas funciona e provoca reflexão. Ainda que a surrada mensagem "o mais importante da viagem não é o destino, mas o caminho" bata ponto mais uma vez, incomodando quem espera a realização completa dos sonhos que são trabalhados no roteiro, também essa faceta do longa corrobora a principal característica do mesmo, que é debater o sistema das coisas na Cuba contemporânea, e buscar o afeto das relações.

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