5,0
A visão romantizada sobre um escritor, eis o que A Vida de Emile Zola nos proporciona. Poderia ser a existência em si percorrida por literatos em geral, tanto os notórios quanto os que não saem do anonimato. Mas o tempo todo o filme faz questão de ressaltar que se trata de Emile Zola (Paul Muni), um dos mais populares da França, e nada com que um iniciante ou aspirante ao mundo das letras possa se identificar. Em todas as falas em que seu nome é pronunciado os atores parecem dobrar a língua para proferi-lo. Mesmo na abertura, com o personagem sem emprego e morando num quarto de pensão, estamos num mundo de sonhos, que se constrói como mitologia, em torno de homens acima da História, por mais que nos encontremos diante de uma cinebiografia com a proposta de recriar fatos reais: o colega de quarto do protagonista não poderia ser outro senão Cézanne, o futuro famoso pintor, e jamais um joão-ninguém em busca de um lugar ao sol. O sol não é necessariamente o mesmo para todos.
Há uma súmula da ascensão de Zola: emprego, sucesso literário com dezenas de milhares de cópias vendidas, em tempos em que autores de folhetins não concorriam com telenovelas e todo um avanço avassalador da indústria cultural, incluindo o próprio cinema. Zola se impõe como um burguês polemista, intrometendo-se nos assuntos públicos e políticos de sua época, um ideal que parece nortear hoje a postura de qualquer intelectual acessando o Facebook no sofá de sua casa.
O filme de William Dieterle se apressa em chegar logo ao que lhe interessa: o caso do capitão Alfred Dreyfuss (Joseph Schildkraut, ganhador do Oscar de coadjuvante, e que interpretara Judas Iscariotes dez anos antes na versão de Cristo dirigida por Cecil B De Mille), sobre o militar acusado de traição e que teve sua patente rebaixada e logo depois expulso do exército francês e condenado a prisão. Uma vergonha para a França, com as forças armadas do país não querendo admitir publicamente o erro e mantendo o militar encarcerado vivo na cadeia como que dentro do próprio túmulo. Diversas personalidades se manifestaram em favor de Dreyfuss, que se converte em uma entidade destinada ao martírio. Os esforços mais extremos na acusação ao exercito e defesa ao ex-capitão vem de Zola, que chama os altos superiores da instituição militar de canibais. O caso Dreyfuss lhe reservaria uma glória particular e imorredoura quase tão grande quanto à alcançada por seus livros, o que o filme de Dieterle apresenta como um tempo mítico, no aproveitamento de personagens e fatos singulares que só pode se concretizar na fantasia. O que resulta com que um filme baseado em fatos reais gire ainda mais em falso
Dieterle e Paul Muni alcançaram sucesso um ano antes com A História de Louis Pauster (The Story of Louis Pasteur, 1935), sobre outro visionário que se indispôs com toda França ao apresentar solução contra as infecções que vitimavam aos milhares no país. Cineasta e ator prosseguiriam com Juarez (idem, 1939), que cresceria em ambição com o sacrifício do entretenimento, dando fim a essa série de cinebiografias ao fracassar em meio aos muitos grandes filmes americanos de êxito lançados no ano de 1939. A Vida de Emile Zola é o que mais adequadamente se mostrou ao seu tempo equilibrado de entretenimento e relativas ambições.
Como cineasta, Dieterle era no começo da carreira um nome bem menor no expressionismo alemão, antes de ir a Hollywood, com o surgimento do cinema falado, realizar versões alemãs de filmes americanos, e depois dirigir os seus próprios. A Vida de Emile Zola é quadradinho, esquemático, e com o tempo das ações e das falas (muitas vezes grandiosas, significativas e proverbiais) marcados pela música sublimada de Max Steiner, realçando explosões emocionais, algumas retumbantes. É curioso que no auge da existência dos campos de concentração nazista o filme se furte de tratar ainda que ligeiramente da questão do anti-semitismo (mal há menções de Dreyfuss ser judeu). Não é o que torna o filme ruim, mas o que o revela um filme covarde. Ou com a coragem dos que não precisam se bater contra o inimigo. A verdadeira traição é a dos companheiros de Dreyfuss, não a dele próprio.
Há duas espécies de filmes datados: os que já o eram quando de seus lançamentos (e muitos deles costumam ser dos melhores), e os ruins desde sempre, em nada transcendendo a estética de seu tempo, e condenados a desaparecer qualquer vestígio de interesse genuíno em torno de si com o decorrer dos anos. A Vida de Emile Zola se enquadra na segunda espécie. O êxito comercial serviu para consolidar a carreira de Dieterle, que depois confirmou seus talentos em trabalhos como O Corcunda de Notre Dame (The Hunchback of Notre Dame, 1939) a melhor transposição do romance de Victor Hugo para o cinema e principalmente O Retrato de Jennie (Portrait of Jennie, 1948). Filmes que souberam lidar com a fantasia como tal, e as possibilidades de expansões suas e do próprio cinema até o limite, e nos convidam a um sonho acordado. E não apenas a contemplar por todos os lados, como em A Vida de Emile Zola, sonhos e bustos de mármores de mártires e heróis, longe de uma mínima experiência estimulantemente cinematográfica.
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