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Vida Oculta, Uma

(A Hidden Life, 2019)
7,5
Média
51 votos
?
Sua nota

Críticas

Cineplayers

A fé na berlinda

9,5

Nos últimos filmes, Terrence Malick parecia mais interessado em não perder mais o tempo que perdeu durante sua carreira (chegando a ficar quase 20 anos sem filmar) e, de maneira pouco disfarçada, parecia andar em círculos. Não que isso parecesse preocupá-lo; muito independente e com muito prestígio, Malick conseguiu após A Árvore da Vida (Tree of Life, 2011) os mais resplandecentes elencos a seu dispor e apenas parecia segui-los, em tentativas diferentes de analisar o processo de fé em cada um. Esse é o esteio da carreira do autor, analisar e promover esse debate sobre o poder da crença espiritual e pessoal, como o cidadão comum age em contato com essa representação e como ela rege essas vidas.

Uma Vida Oculta (Uma Vida Oculta, 2019) parece então sair da zona de (des)conforto recente e até abrir uma nova seara de discussão a partir do questionamento arraigado dessa mesma fé, que não parece como alento a qualquer dor, mas sim como sintoma explícito de desarranjo entre o Homem e Deus, a principio... mas que se alastra pela forma mais cartesiana do sentido de acreditar, para inquiri-la e, passo seguinte, demoli-la em suas questões mais básicas.

O protagonista de Uma Vida Oculta tem convicções muito fechadas e um foco extremamente imutável para definir suas crenças. A fé religiosa na qual ele está inserido nem é tão definidora quanto aos seus princípios particulares, que avançam pelo filme criando raízes cada vez mais duradouras. Aí entra o avanço narrativo de Malick dessa vez, ao demonizar as questões religiosas e pessoais, tratando a fé como um lugar nem sempre positivado, e muitas vezes responsável por tragédias desmedidas. A credulidade com que se desenhou a Segunda Guerra Mundial como um todo é contrastada com aquele outro viés ideológico particular, onde a certeza demasiada de seus personagens não trazem os resultados esperados.

Filmando com a segurança que não víamos desde sua Palma de Ouro, Malick propõe uma lente invasiva que deforma interiores e exteriores gradativamente, aproximando o espectador da intimidade entre o casal protagonista, mas também do horror que eles vivem ao longo da projeção, cada um em uma seara; como o espectador quase pode tocar o idilio e o terror, todo comprometimento é alcançado já na precisão dessa escolha. A fotografia de Joerg Widmer reforça características do cinema tradicional do diretor no que consiste seu rigor e sua potência estética, mas ao mesmo tempo promove esse estranhamento que deforma suas bordas e até nossa percepção sobre aquele universo, que tem sua claustrofobia exalada também aí.

Ao questionar valores que ele mesmo sempre apregoou, Malick consegue cortar um ciclo e avançar em sua filmografia, com um olhar distanciado a respeito de temas caros a si. Com o auxílio de uma dupla de protagonistas esplêndida e um corpo de elenco nunca menos que impressionante em seus lugares, esse novo filme justifica o retorno da mitologia em torno de seu nome por voltar a avançar em construção filmográfica de maneira inovadora ainda tecnicamente, e ao mesmo tempo reafirmar um lugar de impacto cinematográfico com seu cinema que sempre ultrapassou o clássico ao criar pra si uma linguagem que muitos copiaram. Aqui, temos um Malick propondo Cinema na construção de mitos e na dissolução de verdades absolutas, ambas que se empregam inclusive na sua própria carreira.

Crítica da cobertura do 21º Festival do Rio

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