Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Sedutores e seduzidos num jogo de máscaras de gênero.

8,0

Não sei se os críticos, público e circuito já notaram, mas 2015 não está pra brincadeira em matéria de cinema nacional. Lançados até agora (em ordem de lançamento) Depois da Chuva, Amor Plástico e Barulho, A História da Eternidade, Branco Sai Preto Fica, Casa Grande, Entre Abelhas, Últimas Conversas e Permanência em apenas quatro meses; qualquer outro ano recente fica acanhado diante do volume assombroso de unidade qualitativa nosso 2015 já apresenta. Terminasse ele no exato momento que você lê esse texto, já estaríamos diante de um ano positivamente singular; ai eu digo que ainda tem muita coisa excepcional pra estrear e só nos resta comemorar a brilhante fase. Fase essa que pega esse "documentário" de Maira Bühler e Matias Mariani pelo braço e o coloca no meio da maravilhosa trupe citada no início do texto, merecidamente.

Cheguei a conclusão, ao sair da sessão, que não me interessava por conhecer nenhum outro elemento da história de amor entre o americano Chris e a misteriosa V. além do que o filme apresentou. Isso porque o aroma que Maíra e Matias trazem para essa trama já é delicioso por demais, e no ponto exato do consumo. O público sabe do essencial para que essa história seja contada, e assim ela deve permanecer com o espectador, faz parte de uma mágica corrente na melhor safra de docs da atualidade, um grupo de artistas que incluem Eduardo Coutinho, Sarah Polley, Joshua Oppenheimer, Fellipe Barbosa, Gustavo Vinagre e tantos outros, preocupados em apagar toda e qualquer margem que separe universos um dia tão díspares quanto a ficção e o real, hoje mais que unidos; misturados.

O filme conta o interesse dos diretores em achar a perfeita história sobre imigrantes estrangeiros presos no Brasil, ao esbarrar em Chris, o típico americano bonitão e gente boa, detido em São Paulo por motivos que o filme tenta descortinar.  Ao receber o convite de um amigo que trabalhava na embaixada americana na Colômbia para conhecer o país, Chris jamais imaginava se apaixonar, mas isso acontece. E assim entra em cena V., a bela e misteriosa morena que igualmente se encanta por Chris e tira do eixo nosso anti-herói. Não demora para que tudo embace... Só que Chris não percebe a hora de parar. Não percebe...

Em defesa do gênero documentário na forma mais "tradicional" (antiquada?) da palavra, Maira e Matias trabalham com os depoimentos de Chris e de seus inúmeros amigos americanos, traçando um paralelo entre sua vida vazia enquanto liberta, e as asas que se abrem justamente ao se "encarcerar" (com todos os trocadilhos) numa história sem futuro. Mas o filme almeja a mais moderna linguagem do documentário atual, e tudo que parecia certeza e concretude passa a se transformar em fumaça lá pelas tantas, quando novas peças forem encaixadas nesse jogo. E é nessa seara que o filme se faz mais forte, tendo em vista que sua trama parece agregar tanto de valores quanto de pequenas fraquezas; a história de Chris não é necessariamente original.

Mas aqui é o mergulho que importa, e a dupla de diretores se insere na conjuntura atual com esse jogo de perguntas sem respostas, um produto com a marca pessoal do "cinema nacional made in 2015", cuja proposta até agora tem muito mais a ver com observação e sentimento, falta de amarras teóricas e ousadia temática, imagética poderosa e dramaturgia inusitada. Ao mirar no diferente, talvez Matias e Maira tenham escolhido um atalho já traçado e meio comum a olhos experimentados; no entanto, se o espectador não tiver contato frequente com os documentários realizados dentro do esquema de borrar os limites entre gêneros, irá se deparar com um produto elegante, enigmático e muito sedutor sobre os descaminhos das, vejam só, armadilhas da sedução.

Comentários (0)

Faça login para comentar.