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Vila, A

(Village, The, 2004)
7,3
Média
847 votos
?
Sua nota

Críticas

Cineplayers

Uma pequena obra-prima do suspense. Shyamalan acerta de novo e confirma-se como um dos grandes diretores da atualidade.

8,0

Se aquele ditado de “um é pouco, dois é bom e três é demais” se aplicar ao diretor M. Night Shyamalan, ele já passou dos limites do aceitável. Alguns o chamam de novo Spielberg por conseguir sempre bilheterias milionárias e dar lucro certo para os estúdios – o que é errado, visto que Spielberg ainda vive, ainda dirige com maestria e ainda dá lucro para os estúdios, então não podemos considerar que ele já precise de um substituto. Outros – esses os críticos mais afobados ou otimistas talvez – o chamam de o novo Hitchcock. O que é, claro, muito cedo para se saber. E há um terceiro grupo, os que o chamam de uma farsa. A cada novo filme seu o número de pessoas pertencentes a este terceiro grupo parece aumentar e aumentar. O que acontece?

O problema não é o diretor com certeza. Roteirista e dono de uma liberdade invejável para tocar seus projetos adiante em Hollywood, Shyamalan continua não apenas seguindo seu velho estilo de sempre, mas aperfeiçoando-se em técnica de uma forma espantosa. Ele não é uma farsa: as expectativas das pessoas após o sucesso de O Sexto Sentido é que são errôneas. Inteligentemente, embora seguindo o mesmo estilo usual, o diretor sempre altera o foco de seu trabalho. Apenas a essência permanece a mesma: o misterioso é sempre vislumbrado em seus filmes, seja através da fé ou do medo. A Vila é o novo capítulo de sua carreira. É até agora o seu filme da safra Hollywoodiana (excluo sempre Olhos Abertos, que é um filme menor feito sem as liberdades devidas, por causa da má administração do estúdio Miramax) que mais recebeu críticas negativas. A palavra “farsante” nunca esteve tão associada ao nome do diretor. Uma pena, para alguns fica realmente difícil apreciar o trabalho fantástico do diretor.

Vale lembrar que para se aproveitar e entender perfeitamente seus filmes, necessita-se sempre de um grau extra de atenção, do uso um pouco mais aprimorado da inteligência do espectador. Em um tempo onde a maior parte dos espectadores assiste passivamente aos filmes, isso pode ser pedir muito. Por outro lado, Shyamalan ainda é um diretor que trabalha no sistema de estúdios de Hollywood. Seus filmes têm sim conteúdo e simbolismos que necessitam de atenção para serem bem aproveitados, mas de certa forma eles ainda fazem parte do cinema popular, feito para ganhar bilheteria. É um misto dos dois, na verdade: fazer um filme inteligente ao mesmo tempo que se tenta agradar ao público maior, não dificultando as coisas para os espectadores, explicando o que se passa na tela de uma forma razoavelmente fácil de entender. Corpo Fechado, o filme que tem menos elementos populares (não tem quase ação e possui narrativa incrivelmente lenta) foi justamente seu filme de menor bilheteria. Entende-se!

Mas comecemos a falar do filme em si: no final do século XIX, mais exatamente em 1897 (repare na lápide na sequência inicial do filme), existia uma vila cercada por florestas em todos os lados. Os habitantes de lá fizeram um pacto para nunca saírem da vila, pois na cidade reinava a violência e o medo. O que eles almejavam era a criação da sociedade perfeita. Funcionando como contraponto à tranquilidade da vila, há as criaturas, ou “aquelas-de-quem-não-falamos”, seres aterrorizantes que vivem nessas florestas. Entre os habitantes e as criaturas há um acordo muito simples: ninguém invade o território de ninguém. E falar isso é o suficiente para criar o cenário do filme. O mais interessante é que não haveria a necessidade de se falar dos personagens nem dos atores (embora falarei deles mais tarde de forma rápida): o protagonista de A Vila é seu clima perturbador.

Shyamalan, diretor genial que é, que tem controle total sobre a imagem, coisa que poucos diretores possuem hoje em dia (mais um exemplo seria Brian De Palma). Além de saber o que deve ser mostrado na tela, Shyamalan sabe também como mostrar. Nunca mostre demais: o medo é maior quando é apenas sugerido. Algo básico e lógico para qualquer pessoa que tem um pouco mais de experiências assistindo a filmes de terror, mas que a grande maioria dos diretores de suspense e terror da atualidade fazem questão de ignorar, provavelmente por motivos comerciais. Em A Vila, mesmo nas cenas diurnas, o clima de mistério e suspense sempre consegue ficar em alta. O diretor utiliza um recurso que eu particularmente adoro: longos takes e travelings. Repare na cena da conversa entre Lucius (Joaquin Phoenix) e Ivy (Bryce Dallas Howard) no alpendre: a maior parte da conversa é feita com nenhum corte; ou então na cena da conversa em que a irmã de Ivy revela ao pai que quer se casar. Ou, para finalizar, na conversa entre Ivy e seu pai, a caminho da casa que guarda um dos segredos do filme: também não há cortes, e a câmera acompanha os dois personagens até o momento final, quando revela a expressão no rosto de Ivy. Obviamente, esse trabalho exige talento extra tanto dos atores quanto do diretor.

Talento o elenco certamente tem de sobra. Adrien Brody, como um deficiente mental, faz um bom papel (embora curto e sem brilho especial, parece-me o deficiente genérico do cinema). Bryce Howard, a menina cega é destaque também. Alguns acusam o diretor de não ter tido o cuidado ideal em algumas cenas com tal personagem, já que, mesmo cega, ela chega a correr com leveza e segurança incríveis. Quem conhece um pouco sobre cegos sabe que eles possuem uma facilidade muito grande de locomoção em ambientes que conhecem – e Ivy viveu muitos anos naquela vila, o suficiente para decorar seus caminhos e atalhos. Mais tarde, já na floresta, ela tem a dificuldade esperada para se locomover. Como podem ver, muitas pessoas forçam a barra e analisam demais tentando encontrar erros de roteiro nos filmes do diretor onde estes não existem, e obviamente acabam cometendo gafes que não condizem com sua profissão de críticos.

O roteiro do filme – mais um escrito por Shyamalan em pessoa – é ileso de grandes furos e é muito bem amarrado. Assim como em Sinais e Corpo Fechado, não pede que o espectador assista ao filme para identificar passagens, após os segredos finais terem sido revelados. Mas fazer isso é uma grande diversão. Você pode tentar, e confirmará que não há nenhum furo notável no roteiro. Todas as ações e diálogos dos personagens estão muito bem justificados. Agora, em relação a simbolismos, a maior analogia que se poderia fazer em relação à história de A Vila é sobre como ela representa a cultura do medo (muito bem explicada no documentário Tiros em Columbine) que há em muitos países, sobretudo nos Estados Unidos, ou seja, como a mídia (no caso, os dirigentes da vila) pode obter controle sobre o povo (no caso, os outros moradores) através da divulgação e propaganda do medo. É uma análise válida, sem dúvida.

Fora isso, fica a sugestão de não assistir ao filme baseando-se apenas em seu final, na esperança de ver uma grande surpresa mirabolante e genial de roteiro. Na realidade, há três reviravoltas a partir do terceiro quarto do filme, e todas elas são bem interessantes, exceto a última, que realmente não mudaria o conteúdo do filme se não existisse. Sem deixar escapar nada, posso dizer que a edição realizada para ir mostrando cada uma dessas reviravoltas foi incrível, sempre com um timing perfeito. Muitos discordam em relação a um certo flashback que acaba desvendando um dos segredos do filme, dizendo que este deveria ter sido colocado apenas no final. Mas o fato de ter sido colocado onde foi criou a possibilidade de se existir tal surpresa extra, ou seja, em um momento uma coisa não é mais aquela coisa; já em seguida pode ser que seja novamente. Este “pode ser que seja novamente” seria quebrado se o flashback estivesse no final. É a vantagem do diretor ter controle total sobre seu roteiro (e, claro, ajuda tê-lo escrito): ele pode “brincar” com o espectador e criar momentos de tensão extras e bem maiores. Funcionou de maneira perfeita!

Antes de encerrar, gostaria de falar sobre a parte técnica que mais me agradou em A Vila (além da trilha sonora, que funciona muito bem, embora não seja excepcional). Digna de ser indicada ao Oscar, a fotografia do filme é primorosa e a melhor do ano até agora. No filme há a cor do bem – amarela – e a cor do mal – vermelha. Todos os habitantes da vila não podem usar vermelho, e tendem a utilizar tons de amarelo ou verde. O resultado é lindo. E quando, em alguns momentos, vermelho e amarelo se misturam, são criadas cenas de beleza única. Shyamalan sempre cuidou desse quesito selecionando grande fotógrafos, e creio que a fotografia de A Vila seja a melhor de todos os seus filmes, o que não é pouca coisa.

O filme, claro, tem suas imperfeições. Em certos momentos ele tenta ser um romance puro – sempre foi falado pelo diretor que o seu filme depois de Sinais seria um romance ou ao menos teria elementos fortes de romance – o que acaba contrastando demais com o clima de mistério (embora cenas como a que Lucius se declara a Ivy sejam ótimas). As próprias surpresas, embora sejam razoavelmente interessantes, não são o grande destaque do filme (por isso meu alerta de não ir ver ao filme se baseando apenas neles) e a estranheza que a última das surpresas traz ao clima do filme pode gerar um incômodo desnecessário. Finalmente, alguns atores de talento, principalmente Sigourney Weaver, estão sub-aproveitados na trama. Mas relembro que o protagonista do filme é o seu clima, não os seus personagens. De qualquer forma, é uma pena vermos essa atriz, tão sumida ultimamente, não ter mais espaço na tela.

E quanto àquele “limite do aceitável” lá do início? À que aquilo referia-se, em relação ao diretor!? Oras, ao seu genialismo. Se após Sinais ficavam algumas dúvidas, hoje eu tenho certeza que Shyamalan é um gênio da direção, e o melhor diretor de Hollywood na atualidade, pelo menos do cinema de arrasa-quarteirões. Se ele se manterá assim no futuro... bem, isso não importa. Ele já escreveu pelo menos quatro capítulos importantes sobre cinema. A Vila possui alguns momentos antológicos relacionados a sustos e, mesmo sendo o filme mais fraco de sua fase de Hollywood, ainda assim fica perto de poder ser considerado uma obra-prima. E mesmo se você não ter gostado do filme, ficam os sustos, que Shyamalan sabe como ninguém criar, com seus enredos e situações fantásticas.

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