Saltar para o conteúdo

Vítimas do Divórcio

(A Bill of Divorcement, 1932)
7,1
Média
5 votos
?
Sua nota

Críticas

Cineplayers

Casamento e liberdade

7,5

Em uma mansão inglesa, uma mãe e uma filha estão às vésperas de seus respectivos casamentos. Margaret Fairfield (Billie Burke) se prepara para se casar uma segunda vez depois de conseguir o divórcio de Hilary (John Barrymore), internado há 15 anos por insanidade. A única filha desse primeiro casamento, Sidney (Katharine Hepburn), também está noiva. Essa é uma casa moderna, em que as duas mulheres estão livres para seguir os caminhos que lhe farão mais felizes em suas próprias vidas. E Vítimas do Divórcio (A Bill of Divorcement, 1932), dirigido por George Cukor, é, afinal, um filme sobre essa liberdade.

Tal liberdade, no entanto, não será tão facilmente conquistada quanto, inicialmente, parecia que poderia ser. As personagens, se acreditaram que o mundo estava aberto aos seus desejos, a sua procura individual da felicidade, foram bastante ingênuas. Essa ingenuidade era muito visível para a mais sóbria e pessimista Hester (Elizabeth Patterson), a irmã de Hilary que divide a mansão com a irmã e a sobrinha. Para esta mulher, muito religiosa, é evidente que a liberdade não vem sem um custo, que ela é interrompida por uma responsabilidade.

Essa é a encruzilhada moral que Vítimas do Divórcio constrói quando Hilary retorna para casa e espera ser recebido amorosamente pela esposa que não vê há quase 15 anos. Este é um filme que conta com a força de seu texto e um elenco capaz de sustentá-lo para dar vida aos conflitos imbricados que se originam na peça da dramaturga Clemence Dane. A grande novidade da versão cinematográfica, no entanto, é Katharine Hepburn, que tem aqui sua estreia nos cinemas. Como Sidney, Hepburn entrega um trabalho complexo e sofisticado de composição de personagem, e dá os primeiros indícios do que viria a ser a sua persona cinematográfica, que se consolidava no ano seguinte com As Quatro Irmãs (Little Women, 1933) e Manhã de Glória (Morning Glory, 1933), este pelo qual ela venceu o primeiro de quatro Oscars na categoria de Melhor Atriz.

A Sidney de Hepburn está em constante movimento, e seu rosto treme em cada sorriso, cada lágrima. A atriz representa uma ansiedade que é quase como um zeitgeist dos anos 1930: o crepúsculo de uma modernidade prometida, em que o entusiasmo com as novidades do progresso deixou apenas uma série de dúvidas onde antes estava o conforto das certezas. A filmografia de Hepburn no cinema representa ela mesma esse contínuo conflito entre liberdade e responsabilidade.

Em Vítimas do Divórcio, esse angustiante questionamento se traduz em loucura, no que Sidney teme herdar a doença do pai. As cenas que Hepburn divide com Barrymore estão entre as melhores do filme – a dinâmica da confusão, de um incompreensível entendimento que se dá entre pai e filha, é estabelecida de maneira muito sofisticada pelos atores e pela direção, que dão sentido às lacunas deixadas propositalmente pelo texto.

Embora o formato esperado das produções hollywoodianas limite as possibilidades criativas do filme – que é curto demais e rápido demais, o tratamento estadunidense habitual para o texto britânico (Hollywood aparece até no sotaque dos atores) –, Cukor consegue ser eventualmente inventivo, encontrando naquela mansão uma arquitetura da loucura. A densidade, no entanto, de fato nunca se dá tão completamente quanto o texto exige. E a tragédia familiar, que no texto sugere algo próximo de Henrik Ibsen, é atenuada como um drama de Natal em Connecticut.

Se algo pode ser dito em favor da direção de Cukor, porém, é que o cineasta nunca toma o caminho do moralismo. Vítimas do Divórcio é certamente uma tradução infeliz para um filme que é, mais propriamente, sobre as vítimas do casamento e da família, sobre a liberdade e a felicidade que são impedidas por esses laços e pelos desejos não correspondidos que eles envolvem. A RKO apostava em Vítimas do Divórcio como um filme adulto, mais maduro do que as suas produções mais habituais – e essa suposição, apesar dos problemas da obra, é, ainda, muito verdadeira.

Texto integrante da série Vestígios da Era de Ouro

Comentários (0)

Faça login para comentar.