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Viúva Negra

(Black Widow, 2021)
6,1
Média
85 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

O inexpressivo adeus à Natasha

5,0

Muito provavelmente, Viúva Negra esteve entre os filmes mais aguardados da Marvel, ou pelo menos entre os mais esperados pelo espectador que, com a Natasha de Scarlett Johansson, criou grande empatia e estima. Sentimentos esses nutridos sobretudo depois dos eventos de Vingadores: Ultimato, com a personagem sendo sacrificada depois de todo um arco bastante digno, construído ao longo de vários anos de MCU. No entanto, se olharmos para toda a cronologia e contexto de lançamento do filme solo dessa que é das mais veneradas personagens do estúdio, lembraremos o quanto aquele cenário de adiamentos, polêmicas e atrasos nas filmagens fora significativo, levando a uma possível conclusão de que o filme talvez obtivesse um melhor efeito se lançado antes do tempo em que efetivamente estreara e com menos imprevistos.

Mas, desconsiderando isso como um possível fator externo prejudicial ao filme, e analisando o longa tal como se apresenta, do modo como este saíra para ganhar o espaço da tela grande e sobretudo do streaming da Disney, não fica difícil notar a irregularidade dessa história de origem e como ela é trôpega depois de uma meia hora inicial animadora. Aquela família misteriosa mostrada em Ohio e toda a tensão com a fuga dela pareciam o anúncio de uma narrativa bem amarrada, que conectaria passado e presente com um uso de saltos no tempo e flashbacks bem encaixados.

O caminho tomado, no entanto, foi o da desordem. Resultado claro de um desequilíbrio no texto, o ritmo do filme é marcado bastante pela ação e de forma escassa pela encenação dos dramas. Os pequenos núcleos até são promissores e mostram força por certo tempo, mas parecem muito fragmentados e pouco conversam entre si. Natasha, por exemplo, é muitas vezes coadjuvante no próprio longa, ficando deslocada para a Yelena, vivida por uma Florence Pugh de forte presença, ser a personagem a despertar maior interesse ali. O que não seria um problema, desde que o longa não se propusesse uma narrativa de origem da personagem-título.

O primeiro ato esboça algo que se assume uma trama de espião, evocando uma atmosfera sub-Bourne, mas é incrível como toda a execução é desengonçada. Não existe respiro de um segmento pra outro, fato que não chega a ser compensado pela ação acima da média para os padrões do estúdio, que embora ainda plastificada, aqui é mais caprichada que de praxe. E muito embora o ar de 007 seja bem agradável, ele também é ridiculamente uma justificativa do filme para apostar só na força de sua própria intenção, a de ser algo mais na linha secret agent, mesmo que o resto seja tudo do mais subdesenvolvido possível. A realização se contenta com sua míngua, porque a intenção é nobre. Essa é a ideia.

O pouco que é explicado no filme, é explicado didaticamente, e com repetidas menções ao vilão da tal Sala Vermelha, que tem um background bem raso, suficiente tão e somente para sabermos que seus experimentos criaram um trauma em muitas meninas selecionadas para os testes e treinamentos bastante obscuros. Dreykov só desperta mesmo é cansaço no espectador, vez que o filme de Shortland o explora como o arquétipo deveras martelado do velho rico e poderoso. Em outras palavras, aquele chefão de uma fase qualquer no videogame. Quando o filme se centra de fato em uma conexão com os personagens de maneira destoante da frívola, preguiçosa e compartimentada narrativa do filme, é na cena do jantar, talvez a melhor aqui, onde estão à mesa, além de Yelena e Natasha, seus supostos pais, a Melina da Rachel Weisz (que está excelente no filme) e o subaproveitado Guardião Vermelho do David Harbour. Ali, de fato, é um dos poucos momentos propícios pra se criar um mínimo de sentimento e benvinda simbiose. Raro instante em meio a um filme subserviente ao universo das relações robóticas e manipulativas ao espectador – a clara opção pelo comodismo no fazer cinema - e que julga essas interações artificiais à mesma maneira com que modula sua ação, rápida e eficaz. Acontece que, com indivíduos, com seres humanos, nem tudo é tão instantâneo quanto miojo. Para Cate Shortland e o roteirista Jac Schaeffer talvez até seja.

Por óbvio, é frustrante chegar a essa conclusão, mas nem tudo em Viúva Negra é de baixo nível. A seu modo, a Marvel usa o longa como um veículo para suas mensagens pré-prontas, mas igualmente eficazes em seus aspectos atemporais. “A dor nos torna mais fortes”, revela Natasha para Yelena, na ideia de que aquilo que nos machuca, também nos molda. O filme nos mostra a dor, a cicatriz em cada uma dessas personas que experimentaram por muito mais tempo do que deveriam um despertencimento do mundo e uma total entrega aos poderosos e ao perverso. Viúva Negra também tenta versar sobre os cativeiros de cada um de nós, aqueles concretos, que nos colocam com medo atrás de grades assustadoras, e aqueles abstratos, que aprisionam nossos pensamentos e nos fazem remoê-los, criando ninhos de pensamentos destrutivos. A jornada do herói aqui, ao modo Marvel de fazer cinema – sintético e cambaleante - é de libertação, como a de Natashas e Yelenas da vida real, que buscam apagar vis senhores de suas histórias para se constituírem senhoras de si.

A ideia da emancipação feminina, como exemplo desse libertar-se, é trabalhada de maneira bem pobre no filme, acabando por sofrer da mesma diluição temática de que sofria Capitã Marvel, com uma condução difusa, em uma montagem meio quebrada, sem conferir um mínimo caldo à própria sopa. As personagens sem sustância de lá são as mesmas de cá. Acaba que nem essa ideia de sororidade, nem a traminha rasa à Jason Bourne engatam, dada essa indecisão do longa quanto ao lugar em que firmará pé. Mas ainda que seja mais ilustrativo e de muito mais relance do que propriamente um debruçar com foco, carecendo de ousadia e aprofundamento, Viúva Negra tem sua força e engaja o espectador que se presta a consumir com apetite mais um produto Marvel, que fale minimamente com uma plateia tão antenada às questões de privação de liberdade e opressão a que mulheres são lamentavelmente submetidas. Produto esse que reutiliza a mesma embalagem de sempre e se permite trocar apenas o rótulo, aquela capinha na superfície, enfeitando sua temática com o filtro do padrão. Ação e drama na medida usual, genéricos na maior parte do tempo, se achando suficientes para elevar sua temática de potencial pra além do piso. À parte da mesmice, só o show de Pugh mesmo, atriz tão jovem, mas de uma presença ímpar. E pensar que o longa começa tão bem, botando pra quebrar com Nirvana. As notas de Smells Like Teen Spirit até que aqueceram bem os motores. Mas era só despiste. O avião não decolou não. A Marvel nos iludiu de novo.

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