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Críticas

Cineplayers

Do Atari à internet.

6,0

Quando surgiu há alguns anos nos cinemas, Detona Ralph (Wreck-It Ralph, 2012) trazia consigo um apelo incontornável para os fãs de videogame, com a história de um vilão de um joguinho de fliperama que por trás da carcaça de brutamonte, tinha um coração mole e a carência de um amigo de verdade. O mergulho no universo dos videogames antigos dialogava bem com aquele público que cresceu na era pré-internet, principalmente pelo mar de referências a inúmeros jogos icônicos, como Pac-Man/Come-Come, Ateroids, Street Fighter, Sonic e até em ligações indiretas com personagens da Nintendo, como Mario Bros. Mas no momento de a trama transitar para a era mais moderna e contemporânea dos jogos eletrônicos, o filme perdeu bastante de seu carisma e diálogo tanto com o público saudoso quanto com o público mais juvenil, graças à mão da Disney no roteiro, trazendo as liçõezinhas de moral de sempre. Eis que, 6 anos depois, uma continuação promete atar laços com os que não se encantaram antes: WiFi Ralph: Quebrando a Internet (Ralph Breaks the Internet: Wreck-It Ralph 2, 2018). 
Não que isso fosse lá muito necessário, já que em pouco tempo outras obras de apelo com os anos 80 vieram em avalanche para suprir a necessidade dessa geração de trintões e quarentões que nunca de fato soube crescer e que consome em abundância tudo que evoque os anos dourados. O sucesso de Jogador Nº 1 (Ready Player One, 2018) está aí para provar, de modo que Ralph e Venellope já estavam prestes a serem esquecidos nessa indústria em que tudo surge muito rápido, com muito hype, para em pouco tempo se apagar da memória ante um novo lançamento. O mesmo acontece na indústria dos games, hoje muito mais ampla e agressiva do que nos anos 80. A única forma de insistir nos personagens para uma continuação era mais do que óbvia: dessa vez a aventura deve ser no mundo dos games on-line. 

Amigos inseparáveis, Ralph e Venellope estão seis anos depois ainda no mesmo fliperama, na mesma rotina de jogos. Enquanto Ralph se contenta com essa rotina de todo dia quebrar construções para Conserta Félix vir reconstruir em seguida, Venellope se sente inquieta em seu jogo de corrida, agora que já domina todas as pistas, atalhos, bônus e linhas de chegada. Com chegada de um roteador de wifi no local, os dois acabam entrando numa aventura no mundo da internet atrás da compra de um volante para o jogo de Vanellope no eBay, caso contrário a máquina estaria condenada a ser desativada do fliperama após a quebra da peça original. Uma vez nesse novo universo, muito mais avançado em tecnologia e cheio de novas possibilidades, Venellope se sente instantaneamente atraída a ficar, enquanto Ralph se assusta e só quer voltar o mais rápido possível para casa. 

Não é difícil adivinhar o que vem dali em diante. O roteiro brinca bastante com as possibilidades de explorar a internet de dentro para fora, como uma megalópole futurista erguida sobre prédios de gigantes como Google, Amazon, YouTube, eBay, Twitter, Facebook e WhatsApp, e povoada por agentes de busca, trambiqueiros escondidos atrás de pop-ups, links de direcionamento, centros de compra de sites de vendas on-line, um submundo habitado por vírus da deep web etc. É um primeiro momento de deslumbramento com o próprio universo e uma forma de propaganda constitucional para os patrocinadores milionários do filme, sempre fazendo piadas e brincadeiras dentro de uma zona segura e não ofensiva a ninguém. 

Claro que a grande propaganda vem somente com a chegada da Disney, que novamente aposta em uma releitura cômica de seus clássicos. As princesas ressurgem agora muito mais donas de si e independentes dos príncipes encantados, o que puxa o primeiro gancho para o arco de Venellope, que embora muito ligada a Ralph, também se sente pressionada pelo excesso de convivência com ele. A primeira mensagem de WiFi Ralph se desenha como uma libertação feminina das figuras heroicas masculinas, de modo que Venellope assume o protagonismo e maior arco dramático, enquanto Ralph acaba como coadjuvante do próprio filme. Num mundo onde nem mesmo as princesas dos contos de fada escapam dessas releituras, é inadmissível que exista qualquer fator de dependência feminina – é Ralph, afinal, quem precisa de Venellope, e não o contrário. Não à toa a inserção da personagem Shank (dublada na versão original por Gal Gadot, a intérprete da Mulher Maravilha, outra personagem-símbolo da emancipação feminina), uma motorista de jogos de corrida on-line que inspira a protagonista a seguir os seus sonhos de independência e mudança.  

Sobra então para Ralph aceitar as mudanças inevitáveis da vida e o desapego. Como quase todas as animações americanas dos últimos 20 anos, o desapego e a amizade são dois temas quase centrais para o personagem principal. Não há qualquer novidade na condução desse arco, assim como na exploração do mundo on-line e seus dois lados. Fora o plot dos vídeos virais de Ralph numa plataforma fictícia semelhante ao YouTube, o assunto não é lá muito explorado e a questão dos games não evolui em nada com relação ao filme anterior. O simples fato da tecnologia mais avançada dos jogos atuais não se sustenta por muito tempo. Talvez o objetivo de se comunicar com uma geração mais jovem e deixar um pouco pra trás o saudosismo do primeiro filme possa ter sido alcançado com facilidade, mas WiFi Ralph: Quebrando a Internet está condenado a, assim como tudo nos dias de hoje, se tornar obsoleto antes de ter a chance de se eternizar na memória do público. 

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