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Críticas

Cineplayers

Uma aventura tupiniquim.

7,0

As histórias reais que envolvem os primeiros contatos entre homens brancos e índios nunca foram das mais pacíficas. Desde a descoberta do Brasil pelos europeus, que resultou na escravização e exploração do povo indígena, até casos de tribos canibais que armavam emboscadas para caçar exploradores e em seguida comê-los – no geral podemos afirmar que quase sempre foram encontros prejudiciais para pelo menos um dos lados. É o choque de dois mundos opostos, temerosos diante do invasor desconhecido ou do nativo ameaçador, distanciados pela difícil comunicação e pela dificuldade de compreenderem os hábitos um do outro. Some-se isso à irracionalidade do ser humano perante aquilo que lhe parece assustadoramente novo, e temos séculos de páginas da história da humanidade marcadas por massacres, conflitos e desunião.

No caso do Brasil, isso se salienta na história real da expedição Roncador Xingu, promovida pelos irmãos Villas-Bôas, que visava explorar locais ainda desconhecidos no território nacional – uma extensão à “Marcha para o Oeste” estabelecida no governo Vargas. Em meio a tal expedição surgiram os índios nativos, que nunca antes tinham entrado em contato com um homem branco. De medo e horror, os irmãos passaram a sentir-se empolgados, depois de um contato pacífico. Nas décadas seguintes, esse passou a ser o principal objetivo na vida de Cláudio (João Miguel), Orlando (Felipe Camargo) e Leonardo Villas-Bôas (Caio Blat): desbravar novos mundos dentro do território nacional e proteger aqueles que sempre foram os brasileiros mais legítimos de nossa história: os índios – jornada muito bem retratada no novo filme de Cao Hamburguer, Xingu (idem, 2012).

Xingu é um trabalho de dois grandes polos. De um lado temos a aventura de cunho político dos irmãos Villas-Bôas para defender o habitat dos índios do avanço social que começava a se estender para todas as direções; do outro lado há uma abordagem muito interessante sobre o relacionamento desses irmãos, com base em um estudo minucioso da personalidade de cada um deles, em especial de Cláudio.

Nunca conduzido de maneira documental, este trabalho acerta principalmente pelo seu aspecto de ficção, apesar de sua base verídica. Por conta dessa escolha de Hamburguer, o filme flui o tempo todo como uma grande aventura ao estilo das antigas matinês, com um sabor especial brasileiro, mas não sem antes se ater aos fatos históricos tão bem apresentados na rica pesquisa realizada pela produção, que influi diretamente nos atributos técnicos. E por trás de toda essa empolgante aventura, há personagens de conflitos reais, que pendem a trama para seu lado compromissado com fatos. Ou seja, se trata de um belo épico tupiniquim, que por trás de tudo invoca a imagem do índio brasileiro e de sua importância dentro de nossa sociedade atual.

Em meio a todo o capricho da direção (certamente o trabalho mais bem executado de Hamburguer), nascem questões sérias, que envolvem o complicado caminho cheio de traições e impasses políticos para finalmente poder ser concretizado o projeto do Parque Nacional do Xingu. Grandes defensores dos direitos indígenas, os irmãos Villas-Bôas lutaram para proteger essa rica cultura da interferência danosa de pessoas más intencionadas, mas isso não foi o suficiente para que os índios fossem poupados dos obstáculos que surgiram nesse processo. Por isso, nossos heróis são acometidos por um tipo de amargura e peso de consciência que irá marcá-los e uma maneira irreversível.

Ciente dessa preocupação e dos anos de luta dos irmãos Villas-Bôas para proteger a cultura indígena do Brasil, Cao Hamburguer estrutura todo seu trabalho com base no respeito pelos índios. Assim como Andrea Tonacci se preocupou em expor essa realidade no excelente Serras da Desordem (idem, 2006), Hamburguer traça um panorama histórico da importância que os índios tiveram no passado e têm até hoje dentro da história nacional, corroborando com a política indigenista espalhada pelos personagens do filme, e elevando assim a amplitude de seu trabalho.

Xingu é o trabalho de maior peso na filmografia de Cao Hamburguer até o momento, o que prova a evolução constante do cineasta, que já havia apresentado maturidade ao lidar com temas nacionais recorrentes sem cair no clichê em O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias (idem, 2006). Não apenas um trabalho compromissado com fatos históricos de grande relevância para nossa história, não apenas uma boa aventura tupiniquim, não apenas um belo estudo de personagens reais, não apenas uma técnica primorosa e uma direção de arte caprichada, não apenas um elenco afiadíssimo – Xingu é um filme-documento que promove os ideais dos maiores sertanistas brasileiros e conscientiza o público da importância do índio dentro da realidade coletiva de nosso país. Afinal, é dentro daquelas matas e no meio daquele ambiente selvagem que se encontra o verdadeiro Brasil.

Comentários (3)

Adriano Augusto dos Santos | domingo, 15 de Abril de 2012 - 09:02

Já fiquei feliz com uma frase: "Não é documental" !
Isso engrandece as historias baseadas em fatos.

Angelão | domingo, 15 de Abril de 2012 - 10:19

Excelente crítica de Heitor, como de costume. É muito bom ver o nosso cinema explorando temas tão valiosos para nossa cultura. Vou conferir com certeza.

Adriano Augusto dos Santos | domingo, 24 de Março de 2013 - 09:14

Discordo bastante ! Foi uma decepção grande pra mim.

Filme vazio,sem explorar nada.Nem define personagens,personalidades.
Não há desenvolvimento,prologo,em nenhuma sequencia.
São cenas sem inspiração,tirando umas 3 ou 4 é tudo descartável.


Vale mesmo é o resgate do nome dos Villas-Boas.

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