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Críticas

Cineplayers

Num faroeste de samurais, Kurosawa retrata a trajetória de um rônin altruísta em busca de paz para uma cidade cheia de estranhos.

7,0

Um rônin chega a uma pequena cidade e, ao entrar numa taverna, logo toma conhecimento do contexto daquele lugar: duas famílias poderosas disputam, à sangue, o controle político e econômico daquele lugar. O rônin decide, então, oferecer seus serviços de assassino para o lado que propuser a melhor oferta.

O maior mérito de Yojimbo é ser um filme legal pra caralho. Embora todo o contexto social por trás da história (aparentemente o filme se passa no século XIX) possa ser pesado, Kurosawa não parece particularmente interessado em explorar sua obra sob o ponto de vista de uma revisitação histórica de um período delicado a partir de representações de samurais (como fez Kobayashi um ano depois em Harakiri).

Kurasawa estrutura seu filme, na verdade, como uma espirituosa aventura, a tragetória de um andarilho que, ao chegar num lugar estranho e violento, resolve utilizar-se de seu poder e sua astúcia para trazer a paz. Durante essa aventura, são apresentados ao espectador diversos personagens e momentos que transbordam de personalidade, cor e carga narrativa.

Peguemos como exemplo o grande vilão da história, um jovem abastado que após viajar pelo país durante um ano inteiro, volta à cidade pronto para controlá-la. O jovem carrega por aí uma Colt .45, capaz de reconfigurar as lâminas afiadas dos rônins adversários em brinquedos de criança. A maneira pela qual Kurowasa apresenta seu personagem e pela qual Tatsuya Nakadai o interpreta, mostram claramente que, ao filme, interessam os aspectos cinematográficos mais carregados de carga dramática, mesmo que o resultado se mostre farsesco.

Então o que está em jogo aqui são as articulações entre luz e sombra, interpretações efusivas, momentos exaustivos de alívio cômico, que transformam Yojimbo nessa obra de aventura pitoresca, contrastante com os filmes japoneses sobreviventes desse período, e contrastante também com o tom geral da filmografia de Kurowawa.

A bem verdade é Yojimbo se parece muito mais com um faroeste do que com um filme de samurais (embora o gênero “filme de samurais” possa ser, por alguns, questinável, e embora ambos os gêneros se aproximem de seus respectivos lugares, por tratarem da origem mitológica de seus países). Estruturalmente, ao menos, Kurosawa trabalha claramente com um faroeste americano, e não parecem existir elementos culturalmente significantes o suficiente para descaracterizar Yojimbo dessa conexão americana.

Uma cidade idiossincrática, às voltas de um problema insolúvel de violência, com tavernas, bordeis, bêbados velhos e um atirador que põe medo em todo mundo e que é, apenas ao final, combalido pelo estranho heroi, clichês claramente pertencentes ao gênero western mas que compõem, no pós-modernismo clássico de Kurosawa, um dos filmes japoneses mais famosos de todos os tempos.

Mas de fato existe um elemento que, embora pintado com cores ligeiramente americanas, é essencial e culturalmente pertencente ao Japão: o Sanjuro Kuwabatake, o estranho meio sem nome, é um rônin, ou seja, um samurai sem mestre, que atuava de forma variavelmente independente do código samurai (bushido). Geralmente são caracterizados como truculentos e materialistas, pois trocam seus serviços por dinheiro ou comida, e não possuem lar ou família.

A caracterização de Kurosawa difere um pouco, porém, da mais comum. Seu heroi é meio imundo, é verdade, anda pelas estradas se coçando como um cão à procura de pulgas, e de fato não reside em lugar nenhum e não parece nem um pouco interessado em chegar realmente a qualquer lugar.

No começo do filme, Sanjuro diz ao dono da taverna que oferecerá seus serviços à família que pagar mais e, para mostrar seu valor, resolve matar gratuitamente três guerreiros de uma dessas famílias. O plano funciona e ele é instantaneamente temido e cobiçado pelos dois clãs da cidade. Essa atitude inicial parecia transformar esse rônin num homem que não dava valor algum à vida humana, disposto a sacrificar qualquer coisa por alguns trocados a mais.

Porém, ao longo do filme o espectador é exposto ao personagem com mais veemencia: ele arrisca sua própria vida para salvar uma família que havia caído nas garras de um dos clãs da cidade; ele demonstra continuamente uma atitude relapsa à respeito do dinheiro, que não parece de fato interessá-lo; e ele torna-se afeto dos personagens mais simplórios da cidade.

Todos esses aspectos parecem aproximar o heroi de Kurosawa ao anti-heroi americano imortalizado ironicamente por Clint Eastwood na trilogia dos dólares de Sergio Leone (que começa com Por Um Punhado de Dólares, descaradamente copiado de Yojimbo). Um homem de carisma e coração que escreve por linhas tortas (e com muito sangue) uma história de paz e de humanidade. Após fazer queimar toda a seda e fazer derramar todo o saquê, Sanjuro liquida rapidamente com os algozes restantes do lugar, profetizando que a cidade finalmente poderá viver tempos de paz por muito tempo.

Ele não é apenas um rônin, é um anjo caído, fadado a andar pelo mundo sob olhares desconfiados, incubido da missão de tornar um pouco mais praticável a existência das pessoas mais simples. Ele de fato exerce o papel de guarda-costas, não de uma das duas famílias poderosas do vilarejo, mas do vilarejo em si, do povo. Sanjuro sabe perfeitamente que ao agir por afeto, ele pode sofrer consequências irreparáveis, mas resolve salvar o destino de uma família camponesa, quebrando com seu disfarce, possibilitando-o romper com a lógica de família x família daquele lugar. Com ambos os reis caídos, os peões podem sair ao sol para fazer cumprir a profecia do rônin altruísta.

Comentários (19)

Italo | quinta-feira, 11 de Abril de 2019 - 12:42

"que fez-me"

😏

Lucas Mello Nunes | terça-feira, 16 de Abril de 2019 - 12:26

Não é escrotidão e estupidez em não gostar de um filme aclamado, Kadu.

Lucas Mello Nunes | terça-feira, 16 de Abril de 2019 - 17:02

"Claro que cada vez mais que tu escreve tu demonstra desconhecimento sobre cinema"

Acabou de demonstrar a sua arrogância, estupidez e escrotidão.

Ted Rafael Araujo Nogueira | sexta-feira, 19 de Abril de 2019 - 01:56

Se preocupe não Kadu que eu li tudo.

O ensejo cultural de cada galera é de responsabilidade própria por suas vivências. Por isso não deve existir padrão. Gostar ou não é outra coisa. Que nem carretel. Cada um tem o seu.

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