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Críticas

Cineplayers

O poder da imagem na estreia internacional da família Morelli.

7,5
O diretor Paulo Morelli está em seu quinto longa metragem depois de uma bem sucedida carreira como publicitário dentro da empresa de propaganda O2 (que viria a se tornar a igualmente bem sucedida produtora de cinema que é hoje), mas enfrenta uma situação incomum para um cineasta brasileiro: seu longa de estréia jamais chegou ao circuito. O Preço da Paz competiu e ganhou prêmios no Festival de Gramado de e de lá nunca viu a luz do dia. Seus três longas seguintes são tão diferentes entre si quanto o novo Zoom é sozinho uma anomalia. O que une Viva Voz, Cidade dos Homens e Entre Nós, estrutura ou tematicamente? Que eu me lembre, nada. Mas finalmente com seu novo produto Morelli parece ter mirado em seu passado para acertar uma espécie de tentativa de futuro, com sua metralhadora giratória em riste na direção da propaganda. Lógico que alvo não falta, mas é curioso que um filho do marketing tenha aceitado co-escrever o roteiro e dirigir um longa que também ataca o consumismo em voga na malha hollywoodiana em particular (e o cinema e a "vida real" como um todo). Se ele acerta nos tiros, digamos que é uma situação muito pessoal, imagino sim que esse filme tenha um público que vá se encantar com sua cara.

Pra isso, Morelli inclusive usa em diversas passagens uma linguagem totalmente ligada à propaganda sem nunca deixar de criticar ou ter um propósito maior por trás; não estamos diante de um filme de formato televisivo modernoso ou 'global', mas sim de um produto que vai tirar sarro dessa estética abertamente, até exterminá-la. Óbvio que é um filme ultra pretensioso, e isso é outra questão pra onde Morelli atira. O filme acompanha três núcleos, e todos os três estão ligados à arte: temos uma quadrinista que se esconde atrás de uma designer de bonecas réplicas de seres humanos para fins sexuais, uma modelo que está desistindo da carreira pelo sonho de ser escritora, e um diretor jovem às voltas com a feitura de seu primeiro filme "artístico" depois de uma série de blockbusters. Como sempre faço, até acho que as críticas em geral (além do trailer) já devem estar entregando tudo por aí, mas não irei abrir como as três histórias irão se entrelaçar, mesmo que isso seja feito até de forma rápida pelo filme; faz parte do charme da produção irmos acompanhando como as coisas vão ficando cada vez mais complexas nesse sentido.

Cada um desses personagens centrais têm um gatilho de situação que fará seus mundos ruírem: a quadrinista cisma de colocar um implante de silicone nos seios porque não tem exatamente a melhor auto estima; a modelo vive um romance fracassado com um cara que a detona e sua estréia como diretora passa por um bloqueio; o diretor não consegue firmar sua voz ativa, ao passo que passa a viver uma espécie de trapalhada sexual que não vale abrir. No fim das contas, essas três pessoas e seus coadjuvantes particulares estão vivendo no mesmo universo literalmente paralelo e as escolhas de linguagens particulares diferem bastante em textura e padrão, de uma a outra. O cinema indie lavado e livre de beleza estética gritada, uma espécie de artificialismo típico brega proposital digna de uma lavra de diretores pretensiosos, e uma animação vinda das técnicas de rotoscopia, que tem como exemplo o que Richard Linklater fez em Waking Life e O Homem Duplo, filmando os atores para desenhar nos fotogramas depois. Sim, lá pelas tantas essas situações e técnicas completamente diversas começam a colidir.

Mas conseguimos observar claramente que por trás do pacote garboso, Morelli quer dizer mais. Tudo soa também pretensioso? Óbvio, olha o tanto que já foi descrito só de características imagéticas que povoam o longa. O bacana é que o diretor deixa claro que tudo isso é uma grande brincadeira de alfinetar o cinema, a arte, a exploração da imagem pessoal, as questões atreladas ao ser e ao ter, repleta de metalinguagem e quebras de quarta parede. Como Morelli não é o melhor diretor do mundo, o que nas mãos de um Linklater mesmo poderia sair com muita elegância e pertinência dentro das sua discussão, aqui fica no campo dos altos e baixos, situações exageradas, forçadas e escalafobéticas, sendo justificadas pelo fato de que o filme é uma grande fantasia. Ponto para Morelli, que consegue criar um embrulho tão repleto de cor e atmosfera que seus defeitos narrativos são vistos, reconhecidos e em seguida suplantados pela vontade de realizar algo definitivamente particular para os nossos padrões. 

As belas jogadas de Adrian Teijido por trás das lentes e a preocupação constante com os diferentes conceitos de tratamento são uma sacada bem bacana para quem procura substância visual. Mas acho ainda que também isso é uma tentativa de colocar nos trilhos os reais interesses de seu diretor e roteirista (em parceria com Matt Hansen), e que na verdade é uma piração do filho de Paulo, Pedro, que já tinha acompanhado o pai em 'Entre Nós', e aqui recebeu uma incumbência de desenvolver uma história "original e inventiva" do produtor Niv Fichman, e Pedro ousou beber na fonte de um ídolo: Charlie Kauffman. Fichman tinha sido um dos produtores de Ensaio sobre a Cegueira, onde o filho Morelli estagiou, e simpatizou com o rapaz. Daí o convite para desenvolver esse projeto diferente e os cinco anos que demorou pra tudo sair do papel. Morellis pai e filho resolveram então usar o projeto para fazer esse interessante jogo de espelhos entre a imagem e a realidade, repleto de esculhambação com a indústria do cinema e cujos problemas estruturais não escondem a bela vontade de mostrar uma nova e jovem face do nosso cinema, ainda que de caras nacionais só vejamos Mariana Ximenes e Claudia Ohana em meio ao elenco capitaneado pelo "animado" Gael Garcia Bernal. Nenhum deles tem trabalho marcante, talvez porque o foco aqui seja mais na forma que nos objetos utilizados para contá-la.

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