No limite do amor impossível, Cidade dos anjos é um ótimo filme
Muitas das críticas de Cidade dos anjos são feitas quando ele é comparado a Asas do desejo, filme alemão no qual se inspirou. Essa análise será feita do filme de forma independente do seu precursor, principalmente porque quem escreve não conferiu o filme alemão.
Logo na primeira cena, certa estranheza atinge o espectador quando defronte à personagem de Nicolas Cage, absolutamente inerte ao desespero de uma mãe que tenta salvar a vida de sua filha. Ouvem-se falas por parte da mãe, mas seus lábios não se movem. O semblante da personagem de Cage é calmo, expressando o quão recorrente é aquela situação para ele. Ele só é percebido pela enferma, que lhe retribui olhares. Já no hospital para onde a menina fora levada, sua alma se separa de seu corpo. Junto à Cage, ela caminha e é questionada: “O que você mais gostava em vida”. “De pijamas”, vem à resposta.
Nessa abertura reside aquele que é, para mim, o grande mérito do filme: sua capacidade de introduzir todo um universo fictício (o dos anjos) através de cenas que nunca foquem na explicação, mas sempre nas personagens que as protagonizam. Nesse caso, o espectador já compreende o modo como os anjos agem, o fato de que são visíveis apenas aos moribundos e mortos, a capacidade de ler pensamentos desses anjos e é introduzida a personagem de Cage através da pergunta que este faz à menina morta. Um número grande de informações levando em conta o quão emotiva consegue ser a conclusão da cena.
Seguindo a mesma linha é a introdução da personagem de Meg Ryan, a médica Meggie Grace. É interessante apontar a antítese que se constrói em relação ao anjo: ao mesmo tempo que ele é mostrado levando uma vida, Meggie é introduzida em cena que mostra sua obstinação como médica em manter a vida de seu paciente.
Outro fator que torna brilhante o filme do diretor Brad Silberling é a dupla de protagonistas e o impacto que as cenas em que estão juntos provocam. Cage está em um de seus melhores papéis, apesar deste destoar do que faz mais tipicamente: em quanto na maior parte de sua produção o ator prima por tipos explosivos e hiperativos, que o levam conseqüentemente ao overacting, aqui consegue expressar um ar angelical, com olhar e tom de voz calmos e altamente introspectivos. Já Meg Ryan, apesar de não possuir um papel que exija expressividade mais intensa, mostra consistência tanto nas cenas em que tem de lidar com a condição de Seth (como é chamado o anjo de Cage), quanto quando pretende mostrar a impossibilidade com que é defrontada quando tem de salvar pacientes.
Em sua narrativa, Cidade dos anjos segue a linha do amor romântico impossibilitado pela condição dos protagonistas. No caso, tem-se a personagem Seth, um anjo com objetivo de ajudar almas humanas tanto vivas quanto mortas, mas que não costuma se expor no plano material. Em determinada ocasião, se apaixona pela médica Meggie, a qual vem abalada por sentir que algo sobrenatural vem impedindo que ela salvasse um paciente em cirurgia. O filme se desenvolve nos encontros que Seth e Meggie têm, e nas adversidades que a condição de anjo da personagem de Cage proporciona.
Bons coadjuvantes também auxiliam o bom desenvolvimento da trama. O destaque fica por conta de Nathaniel Massinger, interpretado por Dennis Franz, que não só traz certo apelo cômico ao filme, mas também o torna mais alegre em alguns dos momentos em que aparece em cena, em especial quando corre para o mar para provar da sensação de contato com a água que só humanos tem. Interessante também na construção de Nathaniel é sua compulsão por comida, afinal, o paladar é um dos sentidos de maior sensibilidade. Ademais, pode-se citar Cassiel e Jordan Ferris, respectivamente o anjo companheiro de Seth e o médico pretendente de Meggie, que são interpretados com competência, mas não possuem desenvolvimento muito aprofundado.
Último ponto de destaque da obra é o grande apelo emocional que ela consegue obter. Tal apelo se obtêm tanto pela forte ligação que o espectador estabelece com a dupla de protagonistas, quanto por belas cenas permeadas por músicas como Iris e Angel. São poucos os filmes que conseguem resultados tão satisfatórios em cenas sem falas, só com as trilhas sonoras em destaque.
Independente de comparações com o filme original, Cidade dos anjos é um filme maravilhoso. Consegue retomar a história do amor impossível e elevá-la a um novo patamar, o espiritual. Cage e Meg Ryan formam em cena um dos mais belos casais já construídos, e, unida a direção eficiente de Brad Silberling, formam um dos mais belos filmes de amor dos últimos tempos.
“Talvez a emoção se torna tão intensa que transborda do corpo. Sua mente e seus sentimentos tornam-se poderosos de mais. E seu corpo chora.”
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