Visão da máfia a partir de seu elo mais fraco é ótimo filme, mas não se equipara a outras obras primas do gênero.
Filmes de Martin Scorcese, Coppola e Sergio Leone, para citar os principais, criaram uma vasta bagagem cinematográfica relacionada ao gênero máfia. Em sua incursão, o diretor Mike Newell agrega parte dessa bagagem, mas acaba por criar certa dependência de que o espectador tenha conhecimento para que compreenda o propósito para muitas das ações, e principalmente reações, das personagens. É um ótimo filme, mas não deve ser comparado às obras dos gênios supracitados.
A trama, envolvente desde seu início, foca em Donnie (Johnny Depp, de Em busca da terra do nunca) e Lefty (Al Pacino, de O informante), sendo o primeiro um agente do FBI infiltrado na máfia e Lefty um mafioso que decidiu se responsabilizar pelo novato. A história se desenvolve na medida que aumenta o envolvimento de Donnie com aquele universo mafioso, algo que dificulta cada vez mais a sua saída.
Diferentemente de grande parte de seus papeis, Pacino constrói aqui uma personagem frágil, que tenta se esconder atrás de sua aparência mafiosa, mas está consciente da condição de insubordinado. Sua atuação é um dos maiores destaques do filme, e promove grande parte do envolvimento que o espectador tem com a trama. Johnny Depp interpreta a personagem de Donnie também com muita competência, pois demonstra com maestria a tensão que cada vez mais recai sobre ele devido à sua condição de infiltrado. Grandes atuações, ignoradas nas premiações, mereciam melhor reconhecimento.
Um dos únicos pontos fracos do filme reside na construção do universo mafioso feita por Newell. Pouco se fala no primeiro ato do filme sobre os negócios mafiosos propriamente ditos. O enfoque fica no estilo de vida do mafioso, sua aparência, jeito de falar, roupas e costumes. A apresentação desse estilo é extremamente interessante, pois foi uma forma de mostrar ao espectador tanto a inexperiência de Donnie, algo que acrescenta tensão em muitos momentos, e certa limitação na visão de Lefty, que encarava toda aquela ignorância com normalidade. Entretanto, esse tipo de apresentação não cimenta para o espectador a forma como a instituição funciona. Michael Madsen, no papel do chefe da família Soony Black, apesar de ameaçador em determinados momentos, não consegue a imposição necessária a um grande líder nas cenas em que aparece.
A exceção dessa deficiência na contextualização inicial da máfia, Donnie Brasco possui desenvolvimento impecável de sua trama. Dosando momentos de alta tensão, como aquele no qual Lefty está certo de que será morto, com outros mais descontraídos, como parte da estada deles em Miami, o filme segue extremamente dinâmico. A versão conferida foi à estendida, mas o que houve aparentemente foi uma adição orgânica das cenas extras, que não tornaram enfadonha em momento algum a experiência de assistir ao filme.
Em sua conclusão, Donnie Brasco se reafirma como entretenimento de alta qualidade. Nos moldes de um final que seria o mais previsível, se apoiando nas atuações da dupla de protagonistas, Newell finaliza o filme de forma sublime. O fechamento do ciclo emocional pelo qual passaram as personagens de Pacino e Depp acaba o filme sem deixar que ele seja esquecido facilmente. A cena final de Lefty, relacionada à gaveta e alguns objetos pessoais, é absolutamente impecável.
As poucas cenas de violência são conduzidas de forma competente, e conseguem atribuir a devida importância aos eventos aos quais elas se referem. Entretanto, são em momentos como esses que fica ainda mais clara o abismo que existe entre Newell e outros diretores mais experientes no gênero. Comparando com Scorsese, por exemplo, a violência vista em Donnie Brasco sequer se aproxima da visceralidade com que essa é mostrada em Os bons companheiros ou mesmo Cassino. No cinema de Newell, tudo parece mais comum, com menos personalidade, e, por isso, apesar da construção de um ótimo filme, não conseguiu produzir algo que recebesse o status de Obra prima.
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