Demorei cerca de 4 anos e meio para rever Ano Passado em Marienbad e não me arrependo. Na época que vi pela primeira vez achei um porre interminável, tanto é que eu só tinha uma única lembrança deste filme: o jogo em que M sempre vencia.
Assistir agora em 2019 foi como ter visto o filme pela primeira vez novamente. Em 2014 eu ainda estava aprendendo a gostar de cinema e não tinha muita paciência para 90% de filmes lentos (em especial filmes franceses em P&B). Tinha menos paciência ainda quando o filme não me dava uma resposta.
Fui de cabeça aberta para imergir em Ano Passado em Marienbad dessa vez. Há certo tempo eu repetia para mim mesmo que precisava rever este filme sob uma nova perspectiva, mas também dizia que não iria me forçar a gostar do filme (ao rever O Espelho, de Tarkovsky, por exemplo, eu continuei com a mesma opinião). Ainda nos primeiros minutos fui lembrando de como o filme era repetitivo e maçante - o que não é mais um problema para mim, felizmente -, mas ao mesmo tempo, belíssimo. Os personagens estáticos e a movimentação sutil, sempre milimetricamente coreografada, dão um ar fantasmagórico e misterioso à trama.
Não demorou muito para que eu de fato me perdesse no filme. Ano Passado em Marienbad é, acima de tudo, um labirinto. O hotel é um labirinto tão complexo e desafiador quanto nossa própria mente e lembranças: fragmentos desconexos que por ora fazem sentido e por ora não. Ora lineares, ora separados por um intervalo tão grande que não temos nem noção.
Em meio ao vai e vem de X tentando convencer A, percebemos que não há uma lógica a ser seguida. E muito menos que o filme tem uma resposta. Se A tanto se recusa e nega conhecer X, dizendo que nunca o viu, ao mesmo tempo ela parece perder-se na história e se entrega às memórias. Talvez o segredo (se é que ele existe) de Ano Passado em Marienbad seja justamente a palavra "talvez", partindo da própria fala de X, indagando que "talvez M seja o marido de A".
Talvez X realmente tenha conhecido A e ela finja não se lembrar. Talvez A não se recorde de ter conhecido X no passado. Talvez não tenha sido ano passado. Talvez não tenha sido em Marienbad. Talvez M tenha descoberto a possível fuga dos dois. Talvez ele tenha atirado nela. Talvez eles tenham morrido. Mas quem garante que isso aconteceu?
Eu, particularmente, diria que a teoria da morte das personagens é bastante coesa, pois faria jus à relação de tempo e espaço entre X e A. Porém, meu outro lado não aceita essa resposta como sendo "a resposta". Seria limitar muito uma obra multissensorial e tão disposta a gerar discussões.
Com o tempo, aprendi que o cinema não é uma arte que faz sentido, mas sim uma arte que causa sentidos. Não sair com uma resposta mastigada e universal sobre Ano Passado Marienbad numa revisão (ou nunca conseguir decifrar o filme por completo) só me faz pensar que a reflexão e a interpretação individual é aquilo que cinema tem de melhor a nos oferecer.
Independente das nossas conclusões ao término da obra (que não estão certas e tampouco erradas), uma coisa é inegável: o primor estético do filme hipnotiza como poucas vezes o cinema (seja preto e branco, seja colorido) foi capaz de fazer.
Para quem não assistiu ainda: tenha paciência. Muita. O filme é um exercício de paciência que entrega uma experiência atemporal, mas que pode ser extremamente cansativo e chato dependendo do dia em que assiste e da disposição da pessoa para tentar absorver o que acabou de assistir. Talvez você se entregue à obra. Talvez você não compreenda. Talvez você ame, mas talvez odeie. Talvez você se perca no espaço. No tempo. Nas memórias. No hotel. Em Marienbad. Mais uma vez. Eu me perdi.
Tô devendo assistir esse faz tempo.. fazem anos que eu tenho baixado mas até agora não rolou.
Assim que eu assistir volto pra ler com calma essa crítica que parece estar muito boa!
Mas a princípio já gostei do tom da abordagem.
Abs!
E eu tava devendo a revisão há um bom tempo. Valeu a pena esperar quase 5 anos para rever. Vi no momento certo.
Espero que tenha uma experiência gratificante como a que eu tive e espero que goste do texto também.
Abraço!
Foi meu segundo do Resnais, depois de Providence, e acho que realmente merece uma revisão minha também. Depois vi bastante coisa dele e sou completamente apaixonado pelo seu estilo singular e suas desconstruções narrativas. E sempre que ele pede paciência, que nem você apontou no texto, ele entrega muita gratificação. Bela critica!
Obrigado pelo comentário, Leonardo. Fico contente que tenha gostado.
Abraço!