Sabemos o quão raro é encontrar um filme de terror de qualidade. Não falo só atualmente. Grande parte dos filmes desse gênero se perdem logo no início do longa, seja por um roteiro limitado, atores ruins, uso de recursos fáceis para assustar(jump scare,...), e muito pela falta de paciência para construir uma atmosfera convincente.
Em Midsommar é diferente. A primeira cena já desafia e muito sua atriz protagonista (Pugh) que interpreta Dani, jovem que primeiro comenta preocupada a sua amiga a relação conturbada que tem com seu namorado Christian (Reynor). Apenas por sua expressão em close-ups, vemos a preocupação de Dani crescer gradativamente pelas estranhas mensagens mandadas por sua irmã, e que por responder as várias ligações feitas, já deixava a personagem principal bastante apreensiva. Suas várias ligações para Christian também, que estava no bar com os amigos, fizeram o assunto de seu namoro ser discutido entre eles, que Dani abusava de Christian, necessitando dele o tempo todo, não fazia ele conseguir 'respirar' nesse relacionamento. Ao sair do bar e chegar na casa da jovem, descobrimos que a irmã dela havia se matado e por consequência matado seus pais com um vazamento de gás. Dani fica destruída. Aí já nos impressionamos com o talento de Pugh como atriz, e com o talento de Aster como diretor, que foi paciente para construir essa situação e nos deixar sentir o sofrimento de sua protagonista. Detalhe para respiração de Dani ao chorar, será importante depois.
É início do longa, e dois dos seus personagens já estão sendo bem construídos e nossa atenção já está conquistada. Vamos para a viagem.
A explicação para inclusão de Dani na viagem é convincente, e até agora, não fazemos ideia no que estamos embarcando.
Chegada na tribo do amigo de Christian, que havia comentado que seria um evento histórico para seu povoado, já de cara assusta pelas roupas e comportamento apresentados pelos nativos, além da extrema felicidade estampada na cara de todos.
De repente, primeira oportunidade de comer uma planta alucinógena. Dani não está preparada emocionalmente para ter uma experiência como essa, mas motivada pela pressão da situação acaba indo junto. Temos aí uma das grandes cenas de representação de efeito de droga que já vi no cinema. A maneira como a realidade é distorcida e algumas palavras ou gestos criam aquela brisa errada para protagonista é fantástico.
Agora a partir do dia seguinte (não existe noite) começará as festividades. E os costumes cada vez mais bizarros, assustadores, pinçam o ponto fraco de cada um dos amigos de Christian, seja pelo sexo, pela curiosidade, as primeiras vítimas vão surgindo e sem nenhum exagero costumeiro do gênero.
A dança pela Rainha de Maio é impressionante. Planos perfeitos e a instalação de estranheza pelo tratamento familiar dado a Dani nos começa a suscitar a dúvida do que o filme reserva para ela.
Importante salientar que a construção dos costumes dessa aldeia é muito real, muito crível. Elogios para a fotografia também, para a trilha sonora que não dita emoção e sim engrandece. Bela produção que ajuda na imersão desse mundo. Seus contos são ótimas ajudas para guiar o espectador no que pode estar por vir. E lembra que falei sobre a respiração? Na aldeia todos têm uma soltada de ar como característica. Ar que falta para Dani em todos os momentos que lembra de sua família. Aprender a respirar faria dela uma deles, seu vazio seria preenchido, a falta de atenção de seu namorado, seria duplicada, triplicada pelo excesso de abraços e parabenizações dos nativos com seu novo título de Rainha. Mas ela não quer isso, bom não importa. Não é mais ela que toma as decisões sobre o que ela quer.
Logo em seguida Christian cairia numa armadilha e o sexo com uma das meninas da aldeia proporcionaria mais dois belos momentos no filme. Construir uma harmonia entre os sons dos gemidos, gritos da menina que perde a virgindade e agora é uma mulher, e do choro de Dani ao saber do que está acontecendo com seu namorado. A protagonista não reage mais sozinha, não tem mais identidade, ela reage conforme eles querem que ela reaja. E o final, o incêndio, destrói o que podia restar dela, sua última ligação com o mundo. Agora ela só tem aos nativos, e seu sorriso na última cena, demonstra que sua humanidade morreu junto com eles.
Midsommar não precisou do escuro para ser terror. Não precisou de máscaras, fantasias, maquiagem ou efeitos especiais. Mais que um bom filme de terror, ele consegue ser uma experiência. Levei um pouco do filme quando ele acabou. Anestesiado e sem fôlego, obrigado Aster.
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