Diversão protocolar
A franquia Missão Impossível tem uma trajetória um tanto quanto incomum. Diferentemente da maioria, a série parece ter ganho qualidade com o passar do tempo, tudo isso depois de seus dois primeiros episódios. E vejam que não me sinto nem um pouco a vontade constatando isso, já que Missão: Impossível, de 1996, foi dirigido pelo mestre Brian De Palma, e por mais que possamos encontrar o usual talento do diretor em tomadas brilhantes – como na famosa invasão a Langley – o roteiro da dupla David Koepp e Robert Towne, tentando se tornar algo complexo, virava algo confuso e ‘previsivelmente imprevisível’ (você sabe que haverá, por mais absurda que seja, uma reviravolta).
Já sua continuação em meados dos anos 2000, trazia John Woo na direção em um filme fraquíssimo, muito graças aos seus excessos, como o irritante slow motion, capaz de tentar transformar uma cagada de pombo em algo ‘épico’. Outra coisa interessante de frisar em Missão Impossível 2 é uma frase do vilão vivido por Dougray Scott: ‘Deve ser difícil ter que rir como um idiota a cada cinco minutos’. Fala deferida ao herói Ethan Hunt, que mais ou menos, classifica a construção desse personagem. Sua fraca construção foi até mesmo capaz de transformar Tom Cruise em um mártir, já que ele, ainda hoje, é extremamente marcado como um bom ‘dublê’ em filmes de ação, mas um péssimo ator, fato que quem já acompanhou pelo menos metade de sua carreira pode contrapor com suas excelentes interpretações em Nascido em 4 de Julho, Magnólia e Vanilla Sky, por exemplo. Porém Cruise ficou refém – mesmo que tenha uma boa parcela de culpa – do péssimo personagem Ethan Hunt, que se alternava entre o melhor agente da IMF, mas também o mais babaca. E a grosso modo, MI2 serviu basicamente para isso ser consolidado.
E acredito que um certo J.J. Abrams tenha percebido isso também, já que em 2006, o até então ‘criador de Lost’ (afinal hoje Abrams já pode ser reconhecido por seus trabalhos no cinema – Super 8 e Star Trek) trouxe o melhor episódio da franquia, no excelente Missão Impossível 3. Mais sério, com uma boa dramaticidade, além do melhor vilão (vivido por Philip Seymour Hoffman), MI3 trazia Ethan Hunt agora como um agente ciente de sua responsabilidade, deixando de lado seu ego babaca. Mais do que isso, o longa também funcionava como um exemplar de ação muito acima da média, como podemos notar na fantástica invasão ao Vaticano, possivelmente a melhor de toda a franquia.
Depois então dessa rápida passagem pelos filmes anteriores, chegamos enfim ao quarto Missão Impossível, agora com o codinome Protocolo Fantasma, que apesar de superior aos dois primeiros, é inferior ao filme de Abrams (também produtor deste), apresentando um retrocesso inclusive narrativo.
Na trama escrita pela dupla Josh Appelbaum e André Nemec, Ethan Hunt (Tom Cruise) depois de ser libertado de uma prisão na Rússia, corre contra o tempo para rastrear um perigoso terrorista chamado Hendricks (Michael Nyqvist), que teve acesso a códigos de lançamento nuclear russo e está planejando um ataque aos Estados Unidos. Hunt lidera uma tentativa de invasão ao Kremlin para detê-lo, formando sua equipe com Jane (Paula Patton) e Benji (Simon Pegg), porém a operação termina em um desastre, trazendo então a voz do presidente americano a invocar o Protocolo Fantasma, causando consequentemente à desativação do IMF, deixando seus agentes sem nenhum apoio. Porém Ethan Hunt não desiste e vai atrás de Hendricks, com sua primeira parada na grandiosa Dubai.
A primeira coisa a se destacar em Missão Impossível 4 é essa sua desvirtuação com relação ao terceiro, que como eu já disse anteriormente, se lá era buscado um grau maior de seriedade, aqui ela é completamente abandonada, indo claramente em busca de apenas divertir, concebendo uma trama já bem batida, mas com piadas e situações empolgantes que tentam mascará-la. Então por mais que possamos classificar MI4 como uma produção que entrega basicamente o que promete, é uma pena observar esse retrocesso de ideias do diretor Brad Bird, se aventurando pela primeira vez em um longa metragem. O que acontece então é que essa traminha do vilão que quer provocar sem motivo algum uma Guerra Nuclear (só faltou ele gritar: O mundo será meu!, seguido por sua risada diabólica: Há, Há Há!!!) são decepcionantes. Da mesma forma, as tiradas cômicas, a partir de um tempo e conforme o grau de perigo vai aumentando, se tornam desnecessárias, como o patético momento em que o personagem de Jeremy Renner se alonga para executar uma difícil missão, ou mais precisamente, ao grande espaço concebido ao personagem Benji. Mesmo interpretado por Simon Pegg (Chumbo Grosso), um dos melhores comediantes de sua geração, Benji é completamente incompatível, primeiro, com o conceito criado por J.J. Abrams já no terceiro longa, e segundo, com as situações complicadas e delicadas que seus parceiros, e ele inclusive, são submetidos; e por mais que Pegg de fato esteja engraçado, suas participações soam forçadas. Mas pelo menos nosso até então Ethan-agente-Hunt-babaca definitivamente morreu.
Em contrapartida a esses equívocos, Missão Impossível: Protocolo Fantasma ganha força graças a suas grandiosas cenas de ação, que são conectadas de maneira bem sólida com o bom desenvolvimento inicial do roteiro de Josh e Nemec. O diretor Brad Bird, das animações Os Incríveis e Ratatouille, demonstra uma incrível noção em estabelecer belas tomadas, como no momento em que Cruise começa a escalar o Burj Khalifa, o maior prédio do mundo, Bird com um único movimento de câmera continuo, já transparece a magnitude da árdua tarefa que o agente Hunt teria que se submeter, capaz de fazer qualquer um desistir rapidamente, ou simplesmente desmaiar. Igualmente eficiente, Bird ainda estabelece a grandiosa sequência em que o grupo de Hunt põe em prática um nem tão elaborado plano para forjar um encontro, que ganha um ritmo ininterrupto graças a ótima montagem de Paul Hirsch (simplesmente a mente por trás da montagem de Star Wars: Episódio IV), culminando com uma fantástica perseguição pela maravilhosa Dubai, inteiramente coberta por uma tempestade de areia.
Bird ainda procura explorar de maneira acertada as inventividades tecnológicas da IMF, como no excelente artifício utilizado para ludibriar um guarda na invasão ao Kremlin, e principalmente no dispositivo ocular utilizado pelo personagem de Renner. O espetacular Michael Giacchino (Super 8) ainda elabora uma trilha onipresente que se ressalta sempre em momentos oportunos, como nesta mesma invasão em solo russo, onde ‘corais soviéticos’ estremecem todo o ambiente.
Por fim, Missão Impossível 4 é um filme que não se preocupa em entregar uma trama bem desenvolvida, como aliás já fora utilizada na série, mesmo assim o longa deixa claro que sua missão, com o perdão do trocadilho, é apenas uma: Diversão. Parecendo então ler uma cartilha, que pode ser lamentada já que sua metade inicial criava um ambiente promissor, o longa definitivamente surge como um ótimo entretenimento. Sendo claramente um (novo) recomeço na franquia, Bird deixa claro que a série em suas futuras continuações – que certamente acontecerão – terá essa pegada mais divertida e leve, inserindo ainda o ótimo Jeremy Renner (Guerra ao Terror) como um provável protagonista e substituto. Mas parece que Renner ainda terá que dividir seu espaço com Tom Cruise, já que esse continue firme e forte como Ethan Hunt. Agora apenas o ‘melhor agente da IMF’. E a continuação de Cruise na franquia certamente seria uma boa notícia.
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