Azul é a Cor Mais Quente é, à cima de tudo, corajoso. E essa coragem por parte dos realizadores talvez seja o principal motivo de que A Vida de Adèle (em uma tradução literal do título original) tem causado tanta comoção em todo canto que é exibido, afinal filmes com cenas de sexo explícito não são nenhuma novidade dentro da sétima arte, muito menos produções que discutem o homossexualismo. E mesmo não sendo tão perfeito e impecável como a crítica vem afirmando, o longa merece destaque por ter objetivos complexos e nada fáceis de serem cumpridos. Felizmente, o diretor por trás da adaptação consegue criar uma obra intrigante o suficiente para esconder os pequenos deslizes que não quebram o brilho da narrativa.
Contando com nada menos que três horas de duração – algo que comprava a ousadia da produção, uma vez que uma longa duração espanta parte do público o que, consequentemente, prejudica o resultado nas bilheterias - Azul é a Cor Mais Quente tem tempo de sobra para alcançar extremos dentro da narrativa: Quando o filme tem início, somos apresentados a uma protagonista perdida e confusa, que é facilmente manipulada pelos padrões sociais que a cercam e que é constantemente surpreendida por seus sentimentos; quando o filme tem fim, essa mesma personagem passou por uma série de desafios emocionais que provocaram uma verdadeira viagem de autoconhecimento, fazendo com que Adèle não só se entendesse como também se aceitasse.
Interpretando a enigmática Emma com uma naturalidade impressionante, Léa Seydoux cria uma mulher muito mais experiente e sem pudor que sua companheira, e nesse contexto a personagem se torna peça chave dentro da história, sendo responsável pelo olhar amplo que Adèle adquire sobre a vida, e todos os seres humanos ao seu redor. E chega a ser aceitável que o roteiro não se preocupe muito em desenvolver a personalidade de Emma, já que ela apenas assiste e ajuda no desenvolvimento de Adèle. E com isso, o cineasta Abdellatif Kechiche – ao lado da excepcional direção de arte – abusa do uso do azul, que é aplicado em quase todos os frames do longa-metragem, seja no figurino, nos objetos em cena ou, até mesmo, na palheta de cores usada pela fotografia, destacando o azul em cenas que a cor poderia ser facilmente diluída (como no momento em que Adèle se banha no mar ou aquele em que acompanhamos uma festa cercada de música eletrônica).Kechiche ainda acerta em trazer planos extremamente fechados que, quando somados a fotografia belíssima, criam planos que deixam a narrativa mais íntima e particular, fazendo com que tenhamos a impressão de estarmos assistindo a pessoas reais dentro de situações reais (o que, obviamente, deixa tudo mais forte e emocionante).
Porém, mesmo contando com vários acertos, Azul é a Cor Mais Quente também tem uma série de problemas que, mesmo pequenos quando comparados a seus atributos, prejudicam a experiência como um todo. Um dos principais defeitos se dá com as tão comentadas e discutidas cenas eróticas, que mesmo sendo necessárias para a jornada da protagonista, são longas demais, surgem na pior hora possível quebrando o ritmo geralmente ágil e diferente do que se espera, não demonstram qualquer espécie de emoção a não ser a tesão sexual, e com isso, momentos que deveriam explorar a paixão das duas personagens, acabam parecendo cenas de sexo genéricas e saídas de um filme pornô. Além disso, o conflito que desencadeia as situações vistas no terceiro ato se dá em uma cena que quebra a notável naturalidade de suas duas horas anteriores e chega a beirar o melodrama e há uma série de cenas e diálogos mais extensos do que o ideal.
De uma forma ou de outra, Azul é a Cor Mais Quente que merece ser conferido não pela polêmica em torno de seu lançamento ou por suas corajosas cenas eróticas, mas sim por proporcionar uma experiência cada vez mais rara dentro da sétima arte (seja em filmes comerciais ou artísticos): A experiência de acompanhar de perto o crescimento e amadurecimento de uma personagem palpável e concreta, durante três horas que passam voando. E no final, mesmo com tudo que se vê por aí (sinopse, pôster, vídeos) La Vie d'Adèle passa longe de ser um romance, ele conta a história de uma única personagem e como ela se relaciona com sua amada, consigo mesmo e com o próprio espectador.
Muitos não entenderam o que as cenas \"paradas\", os diálogos inúteis e longos e aquela cena de sexo tem por objetivo. Ora, na vida real, aqui, não temos grandes diálogos inúteis, não passamos, as vezes, horas na inércia? E a cena de sexo, caso não tenha percebido, te deixou muito mais íntimo da personagem, já que depois dela, não há mais tabu.