Acho que a maioria de nós podemos concordar que a Pixar de hoje em dia não é a mesma Pixar de alguns anos. A última obra-prima do estúdio foi Toy Story 3, cinco anos atrás, e o seu último grande filme original foi WALL·E (gosto muito de Up – Altas Aventuras, mas, pessoalmente, acho que seus últimos oitenta minutos empalidecem consideravelmente quando comparados com a abertura do filme). Carros 2 quebrou diversos padrões estabelecidos pela Pixar e se mostrou uma sequência aborrecida e desnecessária. Valente, apesar de contar com uma parte técnica deslumbrante, tinha um roteiro que apelava muito mais para a comédia infantil do que para os temas adultos e complexos que o estúdio apresentou anteriormente (este se tornou ainda mais frustrante por ter um primeiro ato primoroso e dois últimos atos um bocado mal construídos). E mesmo com excelentes referências à John Hughes e um roteiro eficiente, Universidade Monstros se mostrou decepcionante e incrivelmente esquecível (o filme é divertido, mas está longe de estar no nível Pixar).
E depois de se ausentar por um ano (para se recuperar dos diversos problemas que teve), a Pixar volta aos cinemas com Divertida Mente. O filme tem início com o nascimento de uma garotinha chamada Riley e, junto com ela, seu sentimento de alegria. Com o passar do tempo, outras quatro emoções se juntam dentro do cérebro da menina para controlar suas ações e seus pensamentos, são eles: Raiva, Nojo, Medo e Tristeza. Já com onze anos de idade, Riley é forçada a se mudar para San Francisco com os pais e com tanta coisa acontecendo os sentimentos acabam tendo muito trabalho para manter a menina em um estado emocional estável.
A premissa de Divertida Mente é interessante e perigosa em doses quase iguais. Seria frustrante ver ideias interessantíssimas desperdiçadas por um roteiro mal construído ou por um tom infantiloide (e seria muito provável ver um roteiro que não conseguisse trabalhar tantos elementos). Felizmente o estúdio se mostra capaz de criar um universo riquíssimo de detalhes e imaginação, fazendo bom uso dos diversos conceitos que tem à sua disposição. Durante a jornada na cabeça de Riley somos apresentados à construção dos sonhos (um dos melhores momentos que o estúdio já ofereceu) e ao porque de determinada música não sair da nossa cabeça. Mas Divertida Mente vai muito além dessas ideias.
Em determinado momento durante minha sessão uma garota sentada ao meu lado simplesmente comentou: “Mas como a Alegria pode ficar triste?”. Foi naquele momento que percebi o que o filme realmente estava realmente querendo explorar. Eu me vi assistindo a uma animação relativamente voltada para o público infantil que estava falando sobre depressão. É claro que já tivemos vários filmes animados com assuntos adultos (a trilogia Toy Story e Meu amigo Totoro me vêm automaticamente à cabeça), mas o resultado encontrado por Divertida Mente para abordar esse assunto é incomum. Além da extrema sutileza, talvez o fato de que estejamos vendo os detalhes psicológicos dessa depressão de forma literal tenha sido fundamental para o envolvimento da platéia com o que acontece em tela. Além disso, Divertida Mente também é eficiente ao conversar com adultos sobre o porquê de memórias antes felizes se tornarem lembranças profundamente tristes, abordando a nostalgia de maneira curiosa e inventiva.
Mais interessante é notar como Divertida Mente consegue equilibrar seu lado adulto com seu lado descompromissado. Logo, ainda que lidando com as complexidades das emoções humanas, o roteiro desenvolve uma aventura envolvente e divertidíssima. Do ponto de vista estruturalmente é interessante notar o ótimo encadeamento das informações, utilizando detalhes apresentadas no início do primeiro ato (seja ela uma informação importante ou não para a trama naquele momento) para conferir consistência à algum evento posterior. Além disso, não há qualquer vestígio do tom episódico que uma grande parte de animações têm adotado recentemente (alguns dos mais recentes da DreamWorks, como A Lenda dos Guardiões e Como Treinar o seu Dragão 2, passam a impressão de que a jornada é muito mais curta do que realmente é, por conta de seus longos primeiros atos e poucos minutos para respirar nos dois atos seguintes).
Já do ponto vista estético Divertida Mente é extraordinário (e duvido que alguém estava esperando o contrário). Competente na missão de estabelecer cada personagem com uma cor diferente, o filme acha uma solução criativa para objetivar diversos conceitos psicológicos completamente abstratos (como as memórias) e é eficiente ao diferenciar, ainda que de forma sútil, os dois “mundos” em que a história se passa. Além disso, o uso da paleta de cores na composição dos cenários é feito de maneira extremamente inteligente (basta notar o desaparecer das cores no mundo real enquanto a Alegria está fora do cérebro de Riley).
Contando com uma das sequências cinematográficas mais emocionantes em muito tempo, Divertida Mente é acima de tudo uma experiência. Até aqui era impossível pensar em ver conceitos tão abstratos, como a Tristeza querendo tomar controle do cérebro, memórias sendo perdidas e medos presos no inconsciente sendo representados de forma tão literal no cinema. Assim como era impossível imaginar um filme sobre brinquedos vivos, um rato cozinheiro ou um robô lixeiro solitário ir pro espaço.
Como é bom ter a Pixar de volta.
Observação: Mesmo não sendo tão bom quanto outros curtas recentes da Disney, como Paperman e Feast, Lava é belíssimo e é um ótimo complemento temático ao longa metragem.
Originalmente publicado em: http://www.portalcritico.com/2015/06/critica-divertida-mente-2015.html
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