Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro, O
(ATENÇÃO: Enquanto a primeira parte deste texto não contém nenhum detalhe significativo da história do filme, a segunda abordará detalhes importantes da trama de "O Espetacular Homem-Aranha 2")
As produções protagonizadas por super-heróis e baseadas em revistas em quadrinhos são a principal fonte de lucro dentro do mercado cinematográfico atual, uma vez que são acessíveis para crianças de seis anos, entretêm pessoas que estão em busca de uma diversão rápida e enlouquecem fãs de longa data. Iniciado no início deste século por Bryan Singer e seu X-Men, o retorno dos filmes de super-heróis ao topo das bilheterias criou uma indústria bilionária que é controlada, basicamente, pelo retorno financeiro da concorrência. Portanto, não é difícil enxergar as claras influências que o sucesso de O Cavaleiro das Trevas teve sob O Espetacular Homem-Aranha, que buscava redefinir a essência de seu protagonista a fim de criar um tom sombrio e adulto para um filme que deveria apenas divertir. Levando em conta que a franquia parecia ter interesses puramente mercantis (uma vez que a trilogia original tinha sido finalizada apenas cinco anos atrás e que o reboot estava ali apenas para tirar mais dinheiro do público), era de se esperar que O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro trouxesse drásticas mudanças de tom a série após êxito de Os Vingadores nas bilheterias. Felizmente, a continuação não adota completamente a atmosfera cartunista e inofensica vista na maioria dos filmes da Marvel Studios, e acaba equilibrando o humor leve típico do personagem com momentos dramáticos coerentes dentro do universo criado pelo diretor Marc Webb, desistindo da ideia de copiar seus adversários e investindo em um clima próprio.
Corrigindo as oscilações de personalidade que prejudicavam o filme antecessor, o roteiro constrói um Peter Parker mais estável (desta vez ele faz brincadeiras sem a máscara) e, com isso, oferece mais a Andrew Garfield, que confere a irreverência do herói (a primeira sequência de ação é excelente nesse sentido) ao mesmo tempo em que é apto ao imprimir a aflição emocional que a história exige em certos momentos. Enquanto isso, Emma Stone surge tão encantadora e apaixonante quanto antes, porém com um material melhor em mãos, a atriz compõe uma personagem repleta de traços bem marcados (suas inseguranças e sua inteligência a transformam em uma personagem mais complexa que uma típica “mocinha em perigo”) e sua química com Garfield continua resultando em alguns dos melhores momentos de toda a projeção (a cena em que os dois discutem as regras da relação e a que se passa dentro de um armário de zelador são, particularmente, admiráveis).
E diferente do fraquíssimo Homem-Aranha 3, este O Espetacular Homem-Aranha 2 não é prejudicado pelo excesso de vilões, já que o roteiro consegue criar e desenvolver o motivo de cada antagonista estar ali: Com uma personalidade e motivações mal desenvolvidas, Electro é construído como um vilão extremamente caricato e durante todo o primeiro ato é incorporado por Jamie Foxx de forma surpreendentemente fraca. Felizmente, com a adição dos super-poderes Electro se torna uma figura que representa um perigo real ao herói (o primeiro confronto entre os dois é ágil ao ilustrar a capacidade de destruição de seus poderes) e sua aparência é um claro avanço ao Lagarto visto no filme anterior. Porém, mesmo sendo o vilão central da trama, Electro sede espaço para o desenvolvimento de Harry Osborn e sua posição dentro da franquia. Assim, a fita dedica longas sequências para estabelecer as motivações que o levaram a se transformar no Duende Verde, buscando razões em diversas camadas da história (porém, é uma pena que o vilão apenas será realmente aproveitado em longas posteriores).
Além disso, o roteiro de O Espetacular Homem-Aranha 2 é bem-sucedido ao encadear todos os elementos possíveis de maneira orgânica e complexa (pequena herança deixada por Os Vingadores). É interessante ver a Oscorp interligada com, basicamente, todas as figuras vistas em tela, ao mesmo tempo em que oferece a possibilidade dos próximos filmes do herói não precisarem desenvolver a origem de um novo vilão, como como todas as aventuras de Peter Parker até aqui. Infelizmente, o roteiro busca atalhos dramáticos que apenas prejudicam a estrutura geral da produção: Temos o conflito “te amo, mas não quero você em perigo”, o fantasma de uma promessa não cumprida e até dois aviões completamente aleatórios em rota de colisão como recurso dramático (pequena herança deixada por O Cavaleiro das Trevas).
Empregando bem a tecnologia 3D durante as ótimas sequências de ação, além de contar com a ótima seleção de músicas já marcante no cinema de seu diretor (destaque para Gone, Gone, Gone e Pursuit of Happiness), O Espetacular Homem-Aranha 2 é um filme que, diferente daquele lançado em 2012, não sofre de crise de identidade: É divertido e irreverente na maior parte do tempo, mas consegue causar um impacto dramático em momentos pontuais; sabe desenvolver bem a relação entre seus personagens sem sacrificar a ação; e mesmo tendo diversas pontas ainda não resolvidas, se sustenta por si só, sem a completa dependência tanto do antecessor quanto de um possível sucessor. E mesmo tendo uma pequena influência de duas grandes franquias do gênero, O Espetacular Homem-Aranha 2 é um filme com personalidade. É bom ver que os produtores notaram que não precisa ser “sombrio” para ser bom (ou dar dinheiro).
A Ameaça de Spoilers
Não é de hoje que as campanhas publicitárias de filmes – em especial os trailers – entregam particularidades específicas da trama que podem destruir completamente a experiência planejada pelos realizadores do longa em questão. Porém, o caso de O Espetacular Homem-Aranha 2 é um pouco mais complicado, já que a maioria das surpresas presentes no filme foram ao menos citadas durante a colossal divulgação em torno de seu lançamento. É uma pena, por exemplo, termos conhecimento da presença de Rino, uma vez que este surge apenas na conclusão da história e fica em tela por um minuto, e é pior ainda notar que esta cena (a que encerra a fita) está em detalhes no trailer. O mesmo pode ser dito sobre o Duende Verde, já que a possibilidade de entrar no cinema esperando ser apresentado apenas para a figura de Harry Osborn é muito mais interessante do que assistir ao filme esperando o personagem se transformar em um vilão. E é igualmente frustrante ver que a discussão em torno da formação do Sexteto Sinistro tem sido encarada como um simples e inofensivo elemento narrativo, quando na verdade deveria ser visto como um spoiler (é uma sensação semelhante da de ter visto Homem de Ferro em seu lançamento já tendo conhecimento da aparição de Nick Fury).
Porém, o spoiler que por pouco não atrapalhou toda a experiência de se assistir a O Espetacular Homem-Aranha 2 não foi dado pelos publicitários, mas sim pelos próprios fãs (mesmo que a sequência que anteceda tal acontecimento esteja quase na íntegra nos trailers). Desde o lançamento do filme original, dois anos atrás, circulou na internet a especulação da possível morte de Gwen Stacy nesta continuação, posto que o reboot parecia seguir a cartilha criada por Christopher Nolan em sua trilogia Batman. A especulação logo se confirmou com comentários e vídeos que entregavam a grande surpresa e pouquíssimas pessoas escaparam do gigante spoiler (aparentemente, apenas aqueles sem acesso a internet). Se por um lado foi frustrante não ter sido surpreendido pela tragédia, por outro é satisfatório poder examinar a belíssima construção narrativa feita por Marc Webb e os roteiristas ao longo de todas as duas horas de projeção. Assim, logo no início do primeiro ato o roteiro é ágil ao desenvolver o simbólico discurso de formatura de Gwen e usá-lo como recurso dramático (eficiente) no fim do ato final.
É notável, portanto, que a morte de Gwen Stacy consiga ser tocante e comovente até para aqueles que já previam o acontecimento, em razão do ótimo desenvolvimento da relação entre a personagem e Peter Parker (e vale voltar a mencionar a excelente dinâmica entre Andrew Garfield e Emma Stone) e do tom descompromissado que se perdurou durante todo o longa. Isso oferece a possibilidade de explorar a parte trágica do personagem, transformando a sequência que se passa em um enterro/cemitério (aparentemente obrigatória em um filme com Homem-Aranha no título) a mais impactante e trágica de todos os cinco filmes protagonizados pelo herói, tanto pela forma com que é filmada por Marc Webb (eficiente ao retratar as passagens de tempo e a solidão emocional do personagem) quanto pela ótima atuação de Andrew Garfield. Dito isso, analisada de um ponto de vista inteiramente lógico, a morte de Gwen Stacy surge um tanto falha: o acontecimento se apoia no fato de que uma teia criada para ser extremamente forte (e se não fosse, Parker provavelmente já teria morrido muito tempo atrás) tenha se rompido por ação de engrenagens de um relógio (?), fazendo com que o desfecho necessite da suspensão de descrença do público para funcionar (o que pode ser um problema para aqueles que já sabiam o que estavam por vir).
De uma forma ou de outra, O Espetacular Homem-Aranha 2 surpreende ao se manter competente e eficaz mesmo para aqueles que (como eu) tiveram a sensação de estarem revendo um filme já conhecido, cujos principais detalhes da narrativa, as cenas de ação, os easter eggs e o surpreendente final ainda estavam frescos na memória. E isso, por si só, demonstra o quão bom é este novo Homem-Aranha.
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