Atenção: O texto a seguir revela detalhes importantes sobre o final de A Menina que Roubava Livros, portanto é recomendável fazer a leitura apenas depois de ter visto ao filme.
Baseado no bem-sucedido romance escrito por Markus Zusak (que não li), A Menina que Roubava Livros conta a história de Liesel, uma garota que é adota por um casal alemão após ser separada de sua mãe comunista. Ao chegar em seu novo lar a menina é incentivada pelo pai adotivo a aprender a ler e, por isso, não demora para criar uma relação com as histórias que lê. Sendo obrigada a aprender a roubar livros, já que a maioria dos livros são brutalmente queimados pelos nazistas em fogueiras públicas num ato contra o intelectualismo, a personagem título também tem que lidar com o fato de se sentir próxima com um judeu que é escondido em sua casa.
Não demora muito para que A Menina que Roubava Livros soe como uma grata surpresa, afinal a adaptação consegue escapar de vários clichês do gênero e adquire uma força dramática impressionante no decorrer de seus dois primeiros atos, que vem justamente da sutileza que o diretor Brian Percival adota para desenvolver a história. Com isso se torna fácil se sentir comovido ao ver uma guerra de bolas de neve no porão da casa da protagonista ou ao testemunhar Liesel contando uma história para amenizar o pânico das pessoas ao seu redor. E são exatamente esses momentos que representam os pontos altos do filme, atingindo o público pela simplicidade. Seguindo essa linha, encontramos uma belíssima mensagem sobre a importância da leitura e da escrita, que é desenvolvida calculada e cuidadosamente pelo roteiro, uma vez que os livros “roubados” por Liesel são sua única fuga da realidade triste que vive. É uma pena que depois de certo ponto, a visão sobre o mundo das palavras perde seu vigor entre as diversas tragédias que acontecem no decorrer da narrativa.
Tecnicamente, aliás, o filme é fabuloso: A fotografia aposta em cores fortes para exaltar a dramaticidade do filme, a direção de arte faz uma belíssima reconstituição de época e a trilha sonora é simplesmente sensacional (a melhor coisa do filme). Outro ponto fortíssimo é o elenco afiado: Emily Watson e Geoffrey Rush criam um casal que não serve apenas como consolo emocional para a personagem principal, como também ganham contornos complexos inesperados (a personagem de Watson, em particular, é interessantíssima). O que nos leva a Sophie Nélisse que interpreta Liesel de forma energética, transformando-a em uma menina que consegue aproveitar a infância (dentro do possível) mesmo com todos os obstáculos presentes em sua vida, lidando com os problemas com otimismo e convicção, o que não significa, é claro, que a menina ignore os problemas, apenas que lida com eles de forma mais madura que o esperado.
Infelizmente, existe um péssimo desfecho em A Menina que Roubava Livros que por muito não pouco não estraga toda a experiência proporcionada até então: Abandonando qualquer traço da sutiliza e doçura que tinha apresentado anteriormente, o terceiro ato da narrativa parece não saber para onde ir e simplesmente decide assassinar a maioria dos personagens coadjuvantes com um bombardeio inesperado. Não se preocupando em fechar os arcos dramáticos que desenvolveu tão cuidadosamente em seus dois primeiros atos, o roteiro opta por um final que mais parece como um atalho narrativo que além de ser o mais artificial e forçado possível, surge apenas para tentar arrancar algumas lágrimas do público matando os personagens que criamos laços durante os cem minutos anteriores. Porém, o que realmente irrita no final do filme é fato de que os roteiristas tinham uma série de opções infinitamente melhores para encerrar a trama, e mesmo que todas resultariam em uma tragédia, tudo poderia ter terminado de forma bem mais palpável e, por isso, emocionante.
Consequentemente, A Menina que Roubava Livros começa como um primo distante do ótimo O Menino do Pijama Listrado (afinal, ambos os filmes discutem o mesmo assunto com uma doçura primorosa) e termina como um melodrama esquemático e maniqueísta que te faz querer ter perdido duas horas com algum outro filme, afinal não é muito difícil encontrar alguma produção que trate o espectador e si próprio com um pouco mais de respeito.
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