Todos morrem um dia. Essa é a única certeza do ser humano. Para muitos essa estranheza da finitude causa fascínio, para outros causa temor e horror. A verdade é que a morte é um grande mistério, senão o maior que assola a humanidade desde seus primórdios. A morte, por causar tal discussão, é um tema bastante recorrente no mundo artístico, e, conseqüentemente no cinematográfico, entretanto é necessário cuidado na adaptação do tema em uma história: os realizadores de um filme precisam saber dosar a quantidade de emoção e tristeza para que a produção não se torne um melodrama sentimentalóide.
Inquietos (Restless, 2011) dirigido por Gus Van Sant é um filme que trata exatamente da morte e da sua iminência e que consegue dosar a quantidade emocional da história, escrita pelo roteirista Jason Lew que mistura dois personagens ligados pelo fim da vida. Enoch Brae (Henry Hooper, filho do falecido ator, Dennis Hopper) freqüenta funerais de pessoas desconhecidas devido aos traumas vindos da morte, tentando encontrar um luto que não pôde sentir pela morte de seus pais, quando em um desses eventos conhece Annabel (Mia Wasikowska) uma jovem que está doente de um câncer em estado terminal. Com o pouco tempo que lhes resta, ambos vão criando um laço de cumplicidade, uma paixão sincera, linda e interessantemente construída pelo roteiro que, também, constrói muito bem seus personagens com elementos alternativos.
Enoch, que jura ter presenciado a morte por três minutos por conta do acidente que matou seus progenitores no qual ele estava presente, tem, como melhor amigo, um fantasma que em vida havia sido um kamikaze japonês. Hiroshi (Ryo Kase) é mais um simbolismo de que Enoch é assombrado pelo acidente e pela morte. E mais do que isso, mostra que o personagem tem um fascínio por tal questão. Já Annabel se mostra conformada com o fato de que vai morrer, mostrando, inclusive, uma visão bastante evoluída sobre o tema. Além de ser uma naturalista fã do cientista Charles Darwin, grande estudioso da vida e sua evolução. O mundo natural é bastante explorado no filme, tanto que os passeios de ambos envolvem alguma paisagem bucólica, sempre. E sempre com uma fotografia linda que inspira esse idílio.
É, também, relacionado ao mundo natural uma das passagens mais bonitas e poéticas do filme: aquela do pássaro que a cada pôr do sol acha que vai morrer, mas ao acordar no dia seguinte canta como se agradecesse pela vida. Uma metáfora para Annabel que pode morrer a qualquer hora e a cada dia que acorda se sente mais feliz, pois tem mais uma chance de viver, ainda mais ao lado de Enoch. E, além disso, um aviso para o expectador: nossa vida é efêmera e temos que aproveitar o máximo. Uma mensagem simples, porém sincera.
Além de explorar como lidar com a vida, Inquietos também é eficiente em mostrar como lidar com a morte, visto que é algo que todos terão de enfrentar, então, por que tratá-la como algo oposto à vida? A morte é algo complementar à nossa existência. Na nossa cultura fomos criados a vê-la como algo negativo, que a cor do luto é preta e tudo inspira tristeza, mas não sabemos o que há depois, e nem poderemos saber. Há um motivo para o amigo fantasma de Enoch ser japonês. Os japoneses – assim como todos os orientais – vêem a morte como estado de júbilo, usa-se o branco para celebrar o luto. A morte é o renascimento. Sem dúvida é uma visão bem mais reconfortante do que a ocidental.
O filme tem alguns erros que não passam despercebidos, a direção perde o ritmo algumas vezes, e Van Sant nos entrega seqüências desnecessárias, mas que não tiram o brilho da produção. O diretor encerra seu discurso sobre a morte neste filme com seu protagonista sorrindo, lembrando dos melhores momentos com sua Annabel ao som de uma linda trilha sonora, presente em toda a produção. De que outra forma poderia terminar? Tão sincero e otimista que é difícil de acreditar que Inquietos é um filme tão recente e que trata de um assunto tão mórbido. Digo, que parecia ser tão mórbido.
Essa obra é uma joia.