Outubro é um filme russo em preto e branco e mudo, dirigido pelo consagrado diretor Sergei Eisenstein (O Encouraçado Potemkin, A Greve e Ivã, O Terrível), que é financiado pelo governo da União Soviética para gravar um filme comemorativo a Revolução de Outubro de 1917, que colocou os bolcheviques no poder do Império Russo.
Ultrapassado por diversas obras do cinema mundial o filme tem, hoje, uma utilidade muito mais histórica do que cinematográfica. A meu ver a obra possui três pontos positivos, a trilha sonora (Dmitri Shostakovic), o empenho e a inovação. O empenho leva em conta o contexto da época e a mobilização de um grande contingente de pessoas para gravar o filme, com verdadeiros batalhões de figurantes para serem controlados e posicionados. A inovação eu explico comparando com Toy Story (1995): é um filme que foi bom para a sua época, era inovador e foi marco do cinema, para os termos atuais ele é um filme com uma história fraca, efeitos fracos, enfim, ele é batido. Tirando essas características o que sobra de Outubro é pouca coisa, mas isso ainda pode ser aproveitado para o entendimento histórico, como diversão ele falha em todos os sentidos.
Para começarmos a analisar, Outubro é uma obra de propaganda acima de tudo, ou seja, ela mostra o ponto de vista dos vencedores sobre o caso. As cenas mostram o filme até a conquista do governo e nada mais, pois era necessário ressaltar os ideais de revolução, de união, de melhora e de superioridade. Isso pode influenciar um espectador menos atento a cair na armadilha ideológica do filme, pois a história do mundo não é feita de heróis e vilões, mas de pessoas, estas muitas vezes sendo levadas pela ambição de ter e ser mais. O que quero dizer com isso é que a imagem do filme não é neutra e isso deve ser ressaltado para que não se pense nos bolcheviques como grandes homens bons que só queriam o bem de todos. Eles, assim como seus rivais mencheviques e os que apoiavam o Tzar, eram movidos pelos seus interesses e apresentavam qualidades e defeitos em seus governos, o filme ilustra os defeitos dos governos passados e as qualidades dos grupos que faziam a revolução, tudo em um tom de sátira.
O filme é factualista, ou seja, ele deixa de apresentar histórias adjacentes para melhor retratar os fatos ocorridos sem romantizar ou fantasiar o ocorrido. Seu objetivo era “recriar os eventos de outubro de 1917 com grande possibilidade de realismo”. Logo no início do filme a população armada tomba uma estátua de seu antigo líder, o último Tzar russo, o Imperador Alexander III, cena que aqui representa a revolução de Fevereiro, onde ocorre “a primeira vitória do proletariado em direção ao socialismo”. A alegria e a união tomam conta do país, o governo provisório que assume o poder é abençoado pela igreja ortodoxa russa e todos tem esperança que novos dias virão. Podemos entender que a situação em que o Império Russo vivia era caótica e que mesmo com a troca de poder as coisas pouco mudaram para o sofrido povo russo que queria “paz, pão e terra”. A partir disso a obra inicia a mostrar os fatos que levaram a segunda revolução de 1917, que logo colocaria fim no governo provisório menchevique, que continuava a atuar na primeira grande guerra mundial regido pelo sistema capitalista.
Foram feitos inúmeras manifestações contrárias ao governo provisório, que atacava a população de modo tão cruel quanto o governo do Tzar, tal crueldade que também deve ter persistido durante o governo socialista, mas que aqui não é retratado. Merece destaque no filme a participação ativa das mulheres, que iam as manifestações já contra o governo imperial Romanov e que continuavam a exercer papel importante na continuação da revolução. Outro ponto que o filme destaca é a não participação da clássica cavalaria Cossaca durante a revolução, que representava o governo imperialista e controlava as cidades e principalmente as fronteiras do país, montados a cavalo e carregando seus violentos chicotes.
O filme aponta como uma importante ferramenta para a articulação dos bolcheviques a utilização de panfletos que falavam a língua do povo, expondo propostas para os pontos críticos que faziam o povo tanto clamar por uma nova revolução, neste ponto os bolcheviques acertam e cada vez mais se veem apoiados pela imensa população russa. Já os mencheviques utilizam o exército “não contaminado” pelas ideias socialistas que estava na longínqua região da Manchúria combatendo tropas japonesas.
Segundo Lênin, figura que Eisenstein não era muito fã, o governo revolucionário que colocaria fim ao governo provisório “teria condições, através de uma legislação adequada, de reconhecer as principais reivindicações dos movimentos sociais em luta e dar uma saída revolucionária para a crise que se abatia sobre o país”, esquecendo-se de acrescentar que isso o colocaria no controle da situação, ou seja, confirmaria seus interesses em liderar a grandiosa Rússia, que até então era um “gigante de pés de barro”, que logo se transformaria em um gigante de aço, que iria enferrujar, é verdade, mas que marcaria o século XX.
Olhar este filme deve vir sempre acompanhado de uma crítica profunda, mas para ilustrar os acontecimentos ocorridos durante o período o filme torna-se relevante, pois acaba mostrando vários fatos que levaram até a revolução sempre a partir de uma ótica vencedora, a dos bolcheviques. O que viria a seguir era uma intensa guerra civil que e outra revolução, que fracassaria e deixaria a Rússia livre de maiores problemas para finalmente seguir em frente, não necessariamente para frente.
Texto muito bem argumentado e que justifica a nota. Só precisa de uma ajustes na forma estrutura e monta sua opinião. Comentário bastante válido
Obrigado pelo comentário.