Qualquer comentário meu ao filme A Dama de Ferro só pode ser bastante pessoal, devido à pessoa que Margaret Thatcher foi em seu governo e à pessoa que ela se tornou no fim de sua vida.
Em geral, posso dizer que gostei muito do filme, e me surpreendi bastante com isso. Minha expectativa era testemunhar mais uma interpretação sobrenatural de Meryl Streep - que vem a cada ano se afirmando como a maior atriz de Hollywood em todos os tempos - em um filme mediano. Esse vem sendo o consenso da crítica até aqui. Para minha surpresa, acabei discordando dessa avaliação.
Não me levem a mal, concordo que a interpretação de Meryl Streep é assustadoramente fantástica, e que na força de sua performance o filme todo se sustenta - mas isso não é verdade para praticamente qualquer filme com Meryl? - mas o filme me parece ser mais do que isso.
Um ponto forte de A Dama de Ferro é a ruptura com a linearidade da narrativa, que imerge nos delírios da velha Margaret, já em estado avançado de Alzheimer, compondo o pacato mundo da idosa baronesa com os momentos mais tensos e agitados de sua vida em busca do poder. A mulher que fora uma das pessoas mais poderosas do mundo por onze anos apresenta grandes dificuldades em lidar com o fato de que perdera, por sua própria arrogância – e o filme consegue mostrar um pouco isso -, tudo, sendo reduzida a uma figura decorativa da política conservadora britânica. Por resistir a sua queda, Margaret se deixa levar pelas reminiscências, conversando mais com seu falecido esposo (interpretado de forma comovente por Jim Broadbent) do que com sua filha ou com seus empregados.
É também nas cenas com a idosa ex-primeira-ministra, que Meryl Streep mostra todo seu talento, compondo uma amálgama de força, debilidade e resiliência, que verdadeiramente assusta. A cena inicial do filme é particularmente chocante, pois é difícil conceber que aquela frágil velhinha, que treme e se confunde ao pagar o leite, foi a intransigente líder que impôs a vitória do modelo neoliberal na Inglaterra.
O que me leva a um dos motivos pelos quais meu comentário a esse filme é sobretudo pessoal. Margaret Thatcher foi uma das principais responsáveis pela implementação de um projeto político marcado pela despreocupação com a desigualdade social, que privilegia o grande capital financeiro em detrimento das classes menos favorecidas e que levou ao desmonte do patrimônio público em defesa da miragem do livre mercado. De forma que uma biografia sobre a Dama de Ferro corre o risco de glorificar a doutrina conservadora, falhando em mostrar seu lado desumano. É certo que o filme não mostra uma crítica muito articulada ao projeto thatcherista, e nem mostra as conseqüências negativas de seu governo, mas mostra, através o recurso a imagens de arquivo da época, a forte resistência dos sindicatos e movimentos sociais à opressora política conservadora de Thatcher. Nesse sentido, o filme ganha em dimensão.
Por outro lado, me pareceu patética a tentativa de mostrar a deposição de Thatcher como uma injustiça. Ela foi vitima de sua própria arrogância, que, aliás, é um traço comum aos neoliberais em todo mundo. Ao pensar que só ela tinha as soluções para os problemas do país e ao procurar concentrar todo o poder em si, Thatcher alienou seus aliados dentro do próprio partido, abrindo espaço para seus inimigos. A interpretação de Meryl Streep novamente é chave aqui, pois ela consegue passar toda a vaidade, a inteligência e a impaciência da primeira-ministra.
A interpretação de Meryl Streep (que a torna favorita ao Oscar esse ano) é sábia ao intercalar força e fragilidade em Thatcher, nos fazendo até mesmo simpatizar com a solitária anciã que se recusa a aceitar o lugar a que a vida a reduziu. E é nos momentos da velhice que qualquer pessoa que tem ou teve uma avó, uma mãe nas mesmas condições se sente mais comovida. E o filme não força essa comoção em nenhum momento, ela vem naturalmente devido à interpretação da atriz.
Portanto, devo dizer que gostei bastante de A Dama de Ferro, mesmo contra todas minhas barreiras ideológicas a pessoa que Thatcher foi e ao estrago que ela fez na vida de milhões de pessoas. Um filme bem realizado com grande potencial para ser trabalhado em salas de aula por professores competentes. Termino com uma última nota, ainda que Meryl Streep sem dúvida nenhuma mereça o Oscar por esse papel, não gostaria de ver a figura da Dama de Ferro do neoliberalismo ainda mais glorificada. Por isso, estou na torcida pela Michelle Williams em My Week With Marylin.
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