Depois de filmar italianos e irlandeses matando uns aos outros, Martin Scorsese desembarca num conto infantil nesse “Hugo Cabret” (pronunciasse “Cabrê”, e assim continuo achando francês uma língua muito feia). Ou melhor, “conto infantil”, entre aspas, mesmo, pois, apesar de ser totalmente acompanhável por crianças, ele é mais que isso, é uma é uma homenagem ao cinema como meio de apenas contar uma história, mas, em sua simplicidade de apenas apresentar uma história, acaba sendo muito maior, acaba sendo “mágica” (o quê é uma doce ironia, pois o inventor do cinema de ficção era mágico antes de tentar tal ofício).
O uso do 3D complementa o fato do filme ser um hino de amor a criação de Georges Méliès. Os irmãos Lumière criaram o cinema apenas como uma curiosidade. Assim era o 3D, mesmo em filmes como Avatar, apenas uma curiosidade, aqui ele finalmente serve para a imersão e algo realmente útil (ainda que nem todas as cenas precisem dele, até mesmo por que isso seria impossível). A cena inicial, um plano sequência com a neve caindo (e saindo da tela) e o trem chegando à estação (o primeiro filme da história, um trem chegando a uma estação) explica toda a alma do filme.
Sim, Martin Scorsese não é um diretor que entende as crianças (esse cargo fica para Steven Spielberg. Foi ele quem se esqueceu de crescer e continua a ser criança da turma dos anos 70), por isso o uso dos cachorros é totalmente dispensável, mas é apenas um erro menor no filme. Martin Scorsese sempre será o diretor que filma gritaria e briga de casais (algumas cenas acabam lembrando isso), só que aqui, como o foco não é só agradar crianças, ele também se mostra um apaixonado por cinema.
Se “O Artista” me vez soltar sorrisos bobos durante alguns momentos da projeção, “A Inveção de Hugo Cabret” consegue o fazer durante toda a projeção. Com narrativa e montagem rápida, tudo fica muito bem amarrado e todos os momentos criados por Scorsese acabam por compor algo quase impecável (o nome da montadora Thelma Schoonmaker recebe destaque nos créditos finais. Destaque muito justo,a montagem do filme é extremamente boa).
E o roteiro merece aplausos também. Tudo está lá, nada apressado, mas também nada lento. Podem até reclamar da sub-trama do cachorro, mas é bonito ver as personagens juntas na cena final do filme. O roteiro também toca em temas como a utilidade das pessoas ao mundo (e acabou lembrando o brasileiro “O Palhaço”: “o rato como queijo, gato bebe leite. E você faz o quê?”), mas tornasse encantador ao contar a história de Georges Méliès. A grande parte do público que não conhece a sua história acaba conhecendo-o de maneira satisfatória e bela e, aos que já conhecem, resta apenas sorrir, pois o filme não se torna chato, na verdade, acaba se tornando melhor, quase um manifesto de amor à simples arte de se contar histórias com imagens.
As personagens são simples, mas interessantes, sendo o trio principal composto por Georges, um velho senhor amargurado (Ben Kingsley, repetindo parceria com Martin Scorsese); o Hugo do título, personagem recluso, abandonado e revoltado (típico filhote do diretor, atuado pelo inglês Asa Butterfield) e Isabelle, protótipo de geek que mostra prazer em expor o seu vocabulário extenso (atuada pela- olhando pelos outros papéis, tão protótipo de geek quanto a sua personagem- Chloë Grace Moretz). Mas a beleza do filme está em seus momentos e na forma como trata a simplicidade e alegria de se fazer cinema em seus primeiros anos. O estúdio de vidro (vale lembra que luz artificial era muito cara na época, então os primeiros cineastas usavam luz natural) e os cenários de papelão, assim como os primeiro e simples efeitos especiais, ganham um ar nostálgico digno no filme.
Falar de aspectos técnicos nessa altura chega a ser desnecessário (e eu já falei do belo 3D antes), mas está impecável assim como todo o filme. A fotografia é bela, a direção de arte minuciosa e, unidas, fazem da estação de trem, gelada e com a nuvem de vapor saindo da tela, algo maravilhoso de se ver. E Martin Scorsese sabe como usá-las, só que elas são apenas uma parte do filme, ele nunca precisa se apoiar nelas para suprir falhas na narrativa ou falta de força nos conflitos das personagens. E os efeitos especiais são magníficos, só que, mesmo com animações belíssimas, Martin Scorsese, sabendo do material que tinha em mãos, prefere usá-los apenas para tornar sonhos possíveis (o cinema é belo, seja agora ou cem anos atrás), nunca os usa para compor planos meramente plásticos.
Metalinguagem lindamente construída, quase obrigatória de se ver numa sala de cinema. O cinema várias vezes já falou sobre o cinema (como no “O Artista”, que já comentei), mas esse filme entra num patamar poucas vezes alcançado. Algo puramente mágico, assim como o Méliès, magia em forma de película para ser vista, re-vista e vista novamente quantas vezes for possível.
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