Ao se tratar de cinema comercial e biografias, o Brasil sempre acaba caindo em maneirismos e não consegue se encontrar nesta área, vide "Cazuza" e "Tim Maia", ainda parece distante de se firmar neste ramo em vários pontos. Trabalhar com uma figura maquiada e voltada ao público infantil, poderia soar como mais um exemplar desses, mas, no fim das contas, "Bingo - O Rei das Manhãs", acaba sendo um pequeno passo adiante nesse tipo de obra, ainda cometendo vários deslizes na estreia de Daniel Rezende, que veio das montagens de filme como "Árvore da Vida" e "Clube da Luta", como diretor.
Proposto a contar a história de Augusto Mendes, um ator das pornochanchadas, e que queria mais para sua carreira, este vê sua chance quando descobre um teste de um novo programa que vindo dos Estados Unidos, era a promessa de entretenimento infantil nas telas brasileiras. A intenção aqui como todos já sabem, é uma inspiração na vida de Arlindo Barreto, o primeiro Bozo que deu as caras por aqui nos anos 80.
Durante os minutos de "ascensão" de Augusto, o filme flui muito bem, com um tom de comédia, mais leve, o longa corre de forma muito dinâmica, nos presenteado com ótimas cenas, como quando o personagem principal decide abandonar a maior emissora do país, a Mundial (em alusão à Globo), por ser tratado como um objeto e sai do prédio de cuecas e com naturalidade, ou na cena em que mostra como ele conquistou o papel de Bingo no teste com o produtor americamo dono da marca. Até aí fica parecendo que finalmente teríamos um exemplar perfeito nesse tipo de cinema, até a hora de se contar a decadência pós sucesso do ator. Nesse momento o filme acaba tropeçando em si próprio e na falta de ousadia do diretor.
Bingo vinha sendo vendido quase da forma que se vende um filme de Darren Aronofsky, na promessa de ser pesado e tenso, chegando até cogitar ser +18, mas passa muito longe disso. Tudo no que abrange essa arte da vida de Augusto é contido e tímido, as cenas de consumo de droga são flashs rápidos, ou cenas veladas, assim como as cenas de sexo, que não são mais do que encontramos na novela das 9. O choque grande acaba ficando em cenas menores, como em uma cena onde, ao vivo, Bingo pisoteia uma boneca, em referência de uma provocação à antiga emissora que trabalhou e se sentiu desvalorizado, ao contrário de outra que realmente tenta isso, mas acaba soando genérica, como o sangramento do nariz durante um programa, ou quando Gretchen rebola ao lado de crianças deixando a calcinha à mostra. Acaba também forçando a barra e quase caindo em pieguice, quanto à redenção de Mendes, quando este se vê frente à TV com o responsável por seu sucesso e ao mesmo tempo sua derrocada, Bingo, já interpretado por outro ator, sabemos que dali em diante, a história irá "se alinhar" e tudo vai acabar bem. Esse é o ponto crucial onde o filme mais se perde e deixa de ser um ótimo exemplar de cinema pop, ficando somente no resultado "bom".
Mas se por um lado temos esse deslize na condução da história, em outros, o filme brilha, e principalmente por seu protagonista. O papel havia sido escrito originalmente pensado em Wagner Moura, mas devido à conflitos de agenda, não pode cumprir com a rotina de filmagem, tendo ele próprio indicado Brichta para o posto, e este se mostrou uma escolha bastante acertada. Vladimir engole o filme para si, numa atuação muito acertada, sem canhestrices ou caricaturas, passando pelos momentos de transição de forma correta, desde o pai amoroso no início, o ator bem sucedido, a pessoa que tem de lidar em ser a cara mais famosa do país, mas ao mesmo tempo um completo desconhecido, até o drogado sem controle em decadência. Exatamente no ponto, e talvez de forma exagerada de se dizer, mas este é o papel da vida do ator, que antes não saía muito de um tipo só. Leandra Leal, apesar de um papel tímido, ainda se sai muito bem, como no delírio que Augusto tem em um encontro com ela num restaurante. Destaque também para Cauã Martins, que interpreta Gabriel, filho de Augusto, uma revelação mirim, que contracena cenas fortes com o pai, e também destaque para uma simbólica participação de Domingos Montagner, sendo o que era na vida real, um palhaço, que serve de professor para Augusto.
Bingo, ainda está longe de ser um cinema ideal, faltou o peso na mão de conduzir um personagem com essa trajetória, mas também se mostra como um amadurecimento desse tipo de filme e que ainda pode render bons frutos. Podemos dizer que temos uma biografia de um gringo contada de forma "correta" em terras brasucas.
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