''Se o homem não matar deus... o diabo matará!''
Existem personagens que ficam marcados, na história ou no subconsciente das pessoas, se tornam verdadeiras lendas, pergunte para o seu avô, provavelmente ele saberá quem é Batman, talvez não sua história, sua origem, seus vilões, mas certamente reconhecerá a figura, o vigilante de Gotham, pergunte sobre um ser alienígena, o Super-homem (ou Superman para os mais chegados, o resultado será o mesmo) um ser que voa, têm super-força e é bondoso, representando a luz, melhor até do que um ser humano comum, não por sua grandeza ou pelo poder, mas pelo seu coração. Junte agora esses dois personagens em uma grande história dos quadrinhos e adapte para o cinema, de maneira complexa, sombria e distorcida, transforme essa história e esses personagens em algo que possa ser levado para os cinemas mas falhe no meio do caminho. A receita é simples, amasse os ingredientes, despeje dentro de uma forma e coloque assar, o problema é que o resultado foi o inverso, acabou tudo jogado no ventilador, espirrando pra todos os lados.
Quase três anos antes tivemos a estréia de O Homem de Aço (Man of Steel, 2013), dando um pontapé inicial para o universo da DC Comics nas telonas. Quem construiu a montanha-russa e ligou os trilhos foi Zack Snyder, que seria o responsável por moldar o universo da DC e apresentar os personagens até o grande ápice que viria a ser um filme futuro da Liga da Justiça, o desafio era grande, pois trabalhar com Superman não é fácil, é um ser poderoso, tão poderoso que um auto-controle é necessário, a vida em segredo (dupla personalidade, a de Clark Kent e a figura de um deus) e o romance com a repórter Lois Lane, tudo isso precisava ser mostrado, mas um filme de herói pede mais, exige-se da trilha sonora e das cenas de ação, dos diálogos e dos efeitos especiais. O filme foi muito criticado na época por discutir religião e fé de uma maneira indireta, passando quase que despercebida, mas é uma mensagem onde faz parte do contexto, onde a figura do herói, Kal-El, demonstra para o mundo e a humanidade que não estamos sozinhos, como somos tão pequenos diante do universo. O filme funciona bem, com uma excelente trilha composta por Hans Zimmer, efeitos especiais decentes e com um final que mostra exatamente aquilo que ninguém está acostumado a ver, heróis também matam, heróis também sangram. O plano de passar todo esse mundo para os cinemas parecia dar certo, a Warner/DC pareciam estar confiantes, a recepção foi mista, as bilheterias foram boas, poderia algo dar errado? Personagens que sempre sonhamos em ver, na tela, lutando lado a lado, toda criança, adolescente, adulto ou idoso deve ter imaginado e se empolgado com isso, o próximo filme traria não apenas um, mas dois dos maiores ícones do mundo dos quadrinhos e dos super-heróis, Batman e Superman. Poderia mesmo algo dar errado?
Batman vs Superman: A Origem da Justiça (Batman v Superman: Dawn of Justice, 2016) que antes possuía até um subtítulo melhor, algo como ''O Alvorecer da Justiça'', chegou e deixou todos eufóricos, os trailers saiam, propagandas e marketing em todos os lugares, imagens vazavam, a confiança no diretor, o elenco parecia estar bem, a trilha sonora composta por dois grandes nomes, Hans Zimmer em conjunto com Junkie XL (que chegou a fazer a trilha sonora de Mad Max: Estrada da Fúria, um dos filmes mais comentados de 2015, e de outro filme de herói no mesmo ano, Deadpool da Fox), tudo estava encaminhado, restavam dúvidas quanto ao Batman de Ben Affleck mas isso aparentemente desapareceu após os trailers que saíram para deixar todos animados, Warner e DC estavam fazendo um dos melhores filmes do ano. Foi então que o filme estreou, e todo o sonho, toda aquela confiança, caíram por terra, mais do que isso, uma verdadeira desilusão, não parecia ser um filme de Zack Snyder (que anos antes havia dirigido um dos melhores filmes do gênero, tendo feito um excelente trabalho em Watchmen, 2008). É como estar em um mercado, com o carrinho de compras cheio, faltando apenas aquele refrigerante, obviamente você já têm sua preferência, vai pegar Coca-Cola, mas só tem Pepsi na geladeira então vai isso mesmo? O gosto não desce na garganta, ou melhor, até desce, mas o sabor é estranho.
O filme começa com um sonho (em uma mistura de flashback) do já velho Bruce Wayne, mostrando novamente a morte de seus pais, Thomas e Martha e, após cair em um poço e se deparar com milhares de morcegos, aparentemente começa a se erguer e levitar, subindo por onde caiu, sendo guiado e levantado pelos morcegos, chegaria a ser poético se não existissem tantos desses flashbacks misturados com sonhos e de acabarem perdendo o sentido, logo após isso já somos transportados para o clímax final de Man of Steel, onde Superman destrói metade de Metrópolis lutando contra Zod, mas dessa vez de um ponto de vista diferente, nós assistimos toda a destruição da grande metrópole a partir dos olhos de Bruce Wayne (que possui um edifício das empresas Wayne na cidade e corre para tentar salvar seus funcionários), não é preciso dizer que o morcego chega tarde demais, mas cedo o suficiente para presenciar todo o caos que o alienígena vindo de Krypton, causou tentando impedir General Zod, é a partir de então que nasce a raiva, que transforma homens bons em cruéis.
O filme se atrapalha logo após esse ponto, com um começo energético, em clima de perigo, prédios caindo, com pessoas correndo enquanto a poeira penetra nas ruas, uma situação real de medo. Lois Lane é apresentada, em perigo, com Superman aparecendo para salvar o dia. Jesse Eisenberg faz um bom papel naquilo que foi feito para ele, apesar dos exageros e dos tiques, não é um bom Lex Luthor, mas um bom vilão, tanto curioso quanto louco, consegue persuadir fácil as pessoas, através da lábia. Fazendo o mesmo com os dois heróis. O Alfred que já estávamos acostumados a ver, com o excelente Michael Caine da trilogia Nolan, muda forma e se torna um pouco mais jovem, Jeremy Irons não vacila, mas não é aquilo que queremos, é o mordomo nerd e piadista que pilota drones e ajuda nas peripécias do encapuzado. É difícil saber o que é o ponto central desse filme, não é o vilão e nem a luta de gladiadores, o terceiro ato é desastroso, o grande ''clímax'' que seria a luta contra Apocalypse é chato, mal feito, apenas tendo a Mulher-Maravilha (Gal Gadot linda e sensacional no papel da amazona) de interessante. Tentaram fazer três filmes em um e não conseguiram nenhum. Tentaram fazer um filme do Superman que mais se parece do Batman, tentaram fazer um filme do Batman que não deu muito certo, tentaram fazer um filme de ambos (lutando ou sendo amigos, seja lá qual for a ideia do título), luta essa que dura pouco mais de dez minutos e que vinha sendo divulgada fervorosamente meses e meses antes da estréia, até tentaram incrementar a formação da Liga da Justiça nesse filme, é precoce e indigesto, são muitas informações em tela, vindo aqui e ali, sem tempo pra respirar, o famoso 'fan-service' presente em abundância e que nada contribui para a história, uma cena até interessante onde o Flash de Ezra Miller aparece para Bruce, vindo do futuro, deixando uma mensagem para o mesmo, é um ótimo acréscimo, mas fica por isso. Nem a trilha sonora salva, confusa e entrando em momentos desnecessários, exemplo: a pose do tridente durante o final, após uma piadinha infame e, um rock estilizado começa a tocar ao fundo.
Muito se falava sobre a luta de deus vs homem, é interessante no início, mas terminaram de um jeito tão mesquinho que chega a ser engraçado, o motivo de ambos deixarem de se matar é pela coincidência de suas mães possuírem o mesmo nome, Martha, não apenas isso mas todo o efeito especial (principalmente do batmóvel) é ruim, na cena de perseguição é deprimente, chegando a atrapalhar a visão em alguns momentos, pelo tom escuro é quase impossível enxergar o que está acontecendo na tela.
O que impede Batman vs Superman: A Origem da Justiça de ser um total fiasco, é o fato de que, no meio de tanta coisa ruim, no meio de tantos erros, existe algo bom, você sabe que existe, separadas e espalhadas em mais de duas horas e meia, existem pequenos momentos que acabam valendo a experiência, não comprometendo como um todo, era arriscado fazer o filme como foi feito, mas os erros acabam superando as coisas boas, ficando em maior evidência.
Estavam apostando alto, nada poderia dar errado no filme de maior bilheteira do ano de 2016, os dois heróis mais famosos da editora, um dos mais aguardados nos cinemas, o tom sombrio e sério não foi bem recebido, mas a culpa não deve ir toda para Snyder, os produtores, chefes da Warner, etc. sem dúvida fizeram alterações, mas o resultado nós já conhecemos, querendo ou não, sonhos se partiram, decepções e o inevitável gosto amargo de ver um filme que podia tanto, falhar miseravelmente, ficarão por um bom tempo.
''É hora de aprender o que significa ser um homem.''
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