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Hollywood prepara filme sobre os bastidores de O Poderoso Chefão e isso é ótimo

Um roteiro promissor e um exemplo a ser seguido pela maior indústria de cinema do mundo

É já datada a discussão a respeito da onda de remakes, reboots, sequências, spin-offs e adaptações que invadiu Hollywood. Em questão, a crítica dos maiores aficionados por cinema à (aparente) diminuição de ideias originais dentre as maiores produções dos grandes estúdios, do “filme pipoca” ao clássico do cinema. Esse debate ressurge (em minha mente) quando eu descubro que o cinema estadunidense prepara um longa sobre os bastidores de nada menos que O Poderoso Chefão (The Godfather, 1972). E dessa vez o debate não me chateia. Muito pelo contrário.

Segundo o Deadline, o diretor Barry Levinson (Rain Man) já trabalha no longa-metragem Francis And The Godfather, com Oscar Isaac como Francis Ford Coppola e Jake Gyllenhaal no papel do produtor Robert Evans. Como os fãs já podem imaginar, a obra girará em torno dos “lendários e selvagens conflitos” que marcaram a produção de 1972, o que soa bem promissor para aqueles que conhecem o gênio difícil do genial personagem-título. Melhor ainda é saber que o roteiro, escrito por Andrew Farotte, figurou em 2015 na Black List — uma lista de melhores roteiros que ainda não foram levados ao cinema. Mas não são só essas boas credenciais que me animam, como também o bom exemplo dessa iniciativa.

Os derivados existem em Hollywood por um motivo simples: lucro. É mais fácil vender um produto renomado, de sucesso no passado ou em outras mídias, do que emplacar uma ideia original. E a indústria foi além dos quadrinhos, livros, jogos e outros materiais mais propensos a fãs desejosos de uma versão no cinema; a indústria ousou tocar nos intocáveis.

Vimos Ben-Hur (1959), recordista de Oscar com 13 estatuetas, voltar aos cinemas em 2016 com um remake melancólico. Foi assim também com adaptações de filmes mais recentes, como Robocop (1987) e Vingador do Futuro (Total Recall, 1990), pois movidos pelo mesmo anseio de se fazer sucesso sem respeito à receita de sucesso dos originais de Paul Verhoeven — autor movido por uma perspectiva diferente de sucesso: arte primeiro, grana depois. Há alguns anos, (mais) um novo Scarface (1983) passa de mão em mão, o que raramente é sinal de coisa boa e sempre causa um calafrio na espinha (por que tamanha indecisão?).

Enfim, são muitas as tentativas artisticamente fracassadas de se faturar sobre grandes obras do passado. Grande também é o esforço do fã para esquecer-se que tamanho desrespeito à sua memória afetiva um dia existiu. E maior ainda é a desnecessidade do risco de se refilmar uma joia que qualquer um pode revisitar com um simples play. É nesse cenário que a ideia de Francis and the Godfather soa animadora. Sob dois aspectos: criativo, pelo potencial da obra em si; e de influência.

Afinal, um filme sobre os bastidores de O Poderoso Chefão não traz consigo o risco de se macular a trilogia original estrelada por Al Pacino, Marlon Brando e Robert De Niro. Pois a marca lendária se debruça sobre um aspecto adjacente à trajetória da família Corleone. Tão próxima quanto preciso para que o filme seja visto, porém distante o bastante para não se temer o pior em caso de fracasso. Essa tese até possui um referencial: Hitchcock (2012). O longa-metragem sobre os bastidores de Psicose (Psycho, 1960) teve recepção morna e é pouco lembrado, sem causar fortes reações negativas. Já a refilmagem dirigida por Gus Van Sant em 1998 é tratada como um acinte — ainda que nem seja um filme exatamente ruim (é absolutamente dispensável e nada mais).

Francis and the Godfather é um projeto, portanto, que envolve risco mínimo e a possibilidade de boas recompensas. A premissa é bacana, proposta a encenar eventos nunca dramatizados, talvez mesmo desconhecidos. Apesar de Levinson (cineasta mediano e só), Isaac e Gyllenhaal serão dois atores talentosos interpretando um roteiro bem avaliado. Que pode desvelar aspectos de um dos períodos mais efervescentes da história do cinema (a Nova Hollywood). E pode ainda, na melhor das hipóteses, aumentar a aura que orbita um dos melhores filmes de todos os tempos. A possibilidade existe. Porque a ideia é boa. Tão boa que me permite sonhar sem temer um desastre.

Se mal-sucedido, Francis and the Godfather terá sido informativo sem causar danos maiores. Se bem-sucedido, Francis and the Godfather poderá influenciar autores e estúdios a investir em boas histórias sobre os filmes que amamos (em vez do risco de desrespeitá-los com derivativos inúteis). Win-win!

Comentários (1)

Walter Prado | sábado, 03 de Outubro de 2020 - 17:55

Nossa, achei um texto muito otimista, focar em bastidores e esquecer os remakes seria uma boa mesmo, mas a chance de isso aqui funcionar (Levinson, sério?) é minúscula (o Hitchcock citado aí é um desastre).

"Já a refilmagem dirigida por Gus Van Sant em 1998 é tratada como um acinte — ainda que nem seja um filme exatamente ruim"

Não é exatamente ruim mesmo porque é um xerox colorido do original.

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