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Análise: Stranger Things - 2ª Temporada


Se o cinema dos anos 1980 foi tão subestimado pela crítica ao longo dos anos como inferior à grandiosa fase americana dos anos 1970, ultimamente vem despertando uma nostalgia coletiva exacerbada que envolve todos seus cacoetes, vícios e cafonices de luz neon, ombreiras, mullets e teclados eletrônicos. Quando essas características foram resgatadas em filmes e programas de TV a partir dos anos 1990, sempre evocaram o charme e ingenuidade que o cinema teen dessa época trazia, com seus plots de grupos de crianças espertinhas salvando o mundo de alguma ameaça catastrófica, ou adolescentes fugindo de assassinos mascarados, ou mesmo jovens enfrentando os perrengues da própria idade e seus ritos de transição representados em bailes de formaturas, primeiros beijos, primeiras transas, etc. De uns anos para cá, no entanto, isso tudo virou uma grife, um artigo de apelo fácil pra conquistar de cara uma geração inteira de trintões e quarentões que sente saudade de tempos mais simples, assim como combate de certa forma o excesso de tecnologia, o cinismo e a precocidade de uma nova geração muito mais cética e menos inocente. 

Os inúmeros remakes dos slashers oitentistas, o sucesso comercial de filmes como Super 8 (idem, 2011) e Guardiões da Galáxia (Guardians of the Galaxy, 2014), não passaram despercebidos pelo radar da gigante Netflix, que logo entrou na onda com sua nova mina de ouro, Stranger Things, assinada pelos irmãos Matt e Ross Duffer. A primeira temporada, de 2016, foi sucesso instantâneo e explorou à exaustão um mar de referências e sacadas de grandes clássicos dos anos 1980, de Steven Spielberg a James Cameron, de Richard Donner a Wes Craven, de John Hughes a John Carpenter, numa trama com ares de Os Goonies (The Goonies, 1985) e Contatos Imediatos do Terceiro Grau (Close Encounters of the Third Kind, 1977). Toda a ideia, no entanto, não conseguiu em boa parte do tempo ultrapassar a simples emulação, carecendo de uma identidade própria e terminando mais como um pastiche, embora cheio de carisma. 

A nova temporada, que está no ar desde a última semana, evoluiu consideravelmente em relação à primeira. Ainda que o gancho deixado tenha sido dos mais ordinários, os irmãos Duffer desenvolveram uma trama muito mais ampla e interessante, enfim explorando a fundo uma nova mitologia e se aprofundando melhor nos personagens, que até então não passavam de tipificações do tradicional grupo infantil de sempre (o líder, o falastrão, o gordinho atrapalhado, o melhor amigo do líder e a garota). Menos deslumbrada com o próprio universo, a série estende mais tempo para o desenvolvimento de cada personagem. Eleven (Millie Bobby Brown) continua a mais interessante e cheia de possibilidades, enquanto Will (Noah Schnapp) ganha espaço e rouba todas as cenas em que aparece. Winona Ryder continua sendo engolida pelo elenco infantil e jamais acerta o tom da personagem, sempre dada a caretas e overactings, mas a participação mais que especial do ex-goonie Sean Astin compensa a presença histriônica dela. Maxine “Mad Max” Medina (Sadie Sink) e Kali (Linnea Berthelsen) são duas adições que contribuíram bastante e estão cheias de potencial para as próximas temporadas, com a principal vantagem de Max ter dado um sentido para Lucas (Caleb McLaughlin) na história. Dustin (Gaten Matarazzo) ainda é eficiente ferramenta de alívio cômico e protagoniza a cena mais linda da temporada (no baile), enquanto Mike (Finn Wolfhard) e Jim (David Harbour) não vão muito além do que já foram antes. O núcleo teen de Nancy (Natalia Dyer), Jonathan (Charlie Heaton) e Steve (Joe Keery) permanece o mais clichê de todos, ainda que muito funcional para a narrativa. 

O mais importante a se destacar na nova temporada de Stranger Things é o ponto de equilíbrio finalmente alcançado. Se foi necessária uma temporada inteira de tentativas e experimentações com a linguagem e exploração do material referencial que tinha em mãos, tudo se compensa agora com uma narrativa muito mais ágil e fluída, que sobrevive sozinha e sem o amparo de constantes links com os anos 80, misturando bem o moderno e o nostálgico. O tenso episódio 8, que tanto evoca a dinâmica de Jurassic Park - Parque dos Dinossauros (Jurassic Park, 1993) e de Alien, O Oitavo Passageiro (Alien, 1979), é o clímax mais bem elaborado da série até o momento, enquanto o ousado episódio 7, isolado do resto da temporada, se arrisca em um território muito mais expansivo e que provavelmente virá à tona na próxima temporada. 
Stranger Things é o ícone máximo da atual onda nostálgica que acomete essa América cada vez mais passadista, refletindo esse receio de um país que pela primeira vez em muitos anos se vê incerto quanto ao seu futuro. A evocação da infância, da inocência e da total fuga da realidade, traz um conforto procurado pela maioria. Quanto mais distantes ficam no tempo, mais os anos 1980 parecem exercer esse apelo. Mas não se enganem, pois a série também recobra anos Reagan de repressão, conservadorismo e divisões sociais. Ou seja, há muito dos tempos atuais em Stranger Things e essa ambivalência é o ponto-chave para atrair tanto o público jovem quanto o adulto, catalisando a resolução de todos os conflitos novamente na figura jovem. Como no cinema ingênuo dos anos 1980, ser jovem é ainda poder sonhar e fazer a diferença, é ter todo o poder do mundo e ainda acreditar – é ser o herói que todos precisam com essa aproximação cada vez mais nefasta de um perigo iminente que se esconde logo atrás das fachadas de subúrbio e do aconchego das lareiras. E isso deve ser aproveitado enquanto ainda é tempo, porque se tem alguma coisa que Stranger Things é capaz de provocar naqueles que viveram nos anos 1980 é a aterrorizante conclusão de que o tempo passa, e que só se é jovem uma vez. 

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