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House of Cards - A Terceira Temporada

Frank Underwood tornou-se um dos homens mais poderosos do mundo ocidental quando chegou à presidência dos Estados Unidos no final da segunda temporada de House of Cards, após a renúncia do presidente Garrett Walker. A terceira temporada e seus gerenciamentos de crise tratam quase que exclusivamente sobre a consolidação de Frank como presidente - após passar duas temporadas tratando sobre ascensão - e plantar sementes de suas relações com os outros personagens, jogando duro com adversários, agravando inimizades, criando e perdendo aliados. Por falar de tanta coisa, sobre políticos e pessoas, tratar do público e do privado, do regional e do mundial, abordemos em tópicos o terceiro ano de Underwood como protagonista do seriado de maior sucesso da Netflix.

Viktor Petrov e o Vale do Jordão

A série introduz o presidente russo Viktor Petrov como um verdadeiro espelho de Frank Underwood, tão impiedoso e sem escrúpulos quanto seu protagonista. Duas contrapartes que se identificam ao colocar consolidação de poder à frente de pessoas, dinheiro e ética. Após provocações na Casa Branca e um primeiro grande desentendimento em Moscou, quando a primeira dama e embaixadora dos EUA Claire destrata o presidente russo em rede mundial por suas leis homofóbicas que causaram o suicídio de um ativista LGBT preso há meses, a grande medição de forças é o Vale do Jordão. Obrigado a intervir em território que não queria, Petrov arma uma cilada para colocar Frank e Claire contra a parede. Presidente há anos, o russo parece tutelar Frank no que fazer para se manter no poder depois de chegar lá. Seus encontros são marcados por longas conversas a sós, negociações que parecem durar uma eternidade, que deixam os dois exaustos. E que parecem levar Frank a um caminho ainda mais sem volta depois de cada encontro.

Congresso, America Works e candidatura

Frank chegou ao poder de forma polêmica, substituindo Garrett Walker que renuncia quando surge a ameaça de impeachment. Com pouquíssimo apoio entre o eleitorado e em seu próprio partido, parte para a ofensiva com o programa America Works, que rearranja dinheiro de aposentadoria e saúde pública para a geração de empregos e candidatando-se para a presidência a 2016 contra a vontade de seus partidários. Aqui está a verdadeira consolidação de Francis no poder, correndo em alternância com a crise de Petrov e o Vale do Jordão. O gerenciamento de crise progressivo elimina e afunila as possibilidades e aliados de Frank - sem nenhuma vontade de desistir ou pagar pelo que já fez e lavando a consciência a cada vez que conversa com Petrov, se isolando na sala presidencial cada vez mais resoluto; enquanto séries como Sopranos e Breaking Bad tratavam de uma perdição moral, as crises de House of Cards que envolvem seu protagonista, amoral e ganancioso desde o início, testam sua capacidade e o quanto está comprometido com seu desejo. Combinados, os aspectos da política interna e externa são a grande provação na história de ambição sem limites.

Mídia

Sempre ela, como o coro comentador de um teatro, julgando cada passo que o protagonista dá em seu longo caminho. Aqui se encarnam nas figuras de Tom Yates, biógrafo contratado por Francis e Kate Baldwin, jornalista correspondente da Casa Branca que atormenta Frank com perguntas desde a primeira aparição. Como uma espécie de consciência encarnada, os dois escritores que acabam se relacionando debatem a legitimidade dos métodos de Frank, os segredos que esconde, quem é o indivíduo por trás da história de homem feito. Mas como estamos falando desse verdadeiro jogo de resta-um que é House of Cards, eles frequentemente são alienados até o afastamento total. Com seus segredos ainda mais guardados do que no início, Frank não faz questão de afastar-se apenas dos opositores - mas de qualquer um que possa julgá-lo.

O Gabinete de Frank

Frank encontrou em Seth o perfeito soldado que procurava - o roteiro não o aprofunda muito pessoalmente, mas percebe-se como ele procura se despersonalizar tanto quanto Frank o possível, pisando em inimigos e aliados se os mesmos ficarem na frente. Remy parece balançar após o término do caso com Jackie Sharp na segunda temporada, com a sua resolução que mostrara enquanto empregado de Raymond Tusk cada vez menor nas cenas que é protagonista, não propriamente desenvolvendo uma consciência quanto ao seu passado nos setores público e privado, mas após a abordagem racista que sofre por parte da polícia, descobrir a desigualdade que ainda existe na tal terra das oportunidades e começar a achar o mundo do poder e dinheiro frívolo demais se o bem comum ainda é incapaz de ser garantido individualmente.

Falando em lealdade, logo em seu primeiro episódio, vemos os primeiros meses de Frank no poder pelos olhos de Doug Stamper, que afinal de contas sobreviveu aos violentos golpes aplicados por uma desesperada Rachel que constitui quase um segundo seriado subordinado ao primeiro - sua trama compete em igual importância em quantidade de episódios com a Frank - onde vemos sua dificuldade em se recuperar dos golpes sofridos, as recaídas no alcoolismo e a obsessão por Rachel, que sumiu sem dar notícias. A esse arco subordina-se o do hacker Gavin, chantageado por Doug em rastrear a fugitiva, não importando os meios e sacrifícios.

Em sua jornada para voltar a chefe do gabinete presidencial, a determinação de Doug é tão grande quanto a de Frank; os espelhos distorcidos refletem-se por todos os núcleos; direta ou indiretamente por causa de Frank, todos estão fingindo ser o que não são, literal ou figurativamente. Após as mortes de Peter Russo e Zoe Barnes e a prisão de Lucas Goodwin, a execução de Rachel seguida pela retomada de Doug no cargo desperta uma sensação desconfortável: votamos nesses homens, pagamos seus impostos, queremos que sejam líderes duros, com personalidade, que governem com mão firme. Que nos representem, não importa como. E tomando coragem para pouco a pouco irem se despindo dos ternos de moralidade que antes envergavam, eles estão nos atendendo. Para o primeiro que prezou eficiência acima de ética, o monstro Frank Underwood encarna quase que literalmente o “cuidado com que você pede”.

Frank e Claire

House of Cards carrega os ecos de uma tragédia shakespeareana de forma carregada em sua construção: os desejos simples de seus personagens (poder, dinheiro) e os meios que usam (assassinatos, traição, mentira) em um cenário complexo, cheio de nomes, títulos e indivíduos; os personagens coadjuvantes que orbitam a trama; sendo influenciados e influenciado de volta com a sua paleta variada de caráter; o comentário midiático que acompanha o personagem como um observador interno; as interações com quem assiste através da quebra da quarta parede nos tornando capaz de ouvir os pensamentos do personagem principal e saber dos caminhos que seguirá. Até mesmo no uso do foreshadowing que nos oferecido pela abertura de cada episódio - o timelapse de um dia se tornando noite; o logotipo da bandeira americana sem estrelas e invertidas, o próprio nome, “Castelo de Cartas”, dando ideia de uma estrutura frágil que o protagonista pode tanto invadir e tomar posse quanto sucumbir junto com a mesma. E através do relacionamento do casal protagonista, vemos uma das sementes que podem levar Frank à ruína.

Claire fez Frank - sua família financiou sua campanha com a promessa do mesmo que os dois teriam um futuro brilhante pela frente. Mas Claire, enquanto Frank literalmente urina no túmulo da família e cospe em uma escultura de Cristo, começa a desenvolver culpa. A crueldade das primeiras temporadas que demonstra para com subordinados e adversário. Enquanto o homem feito presidente continua pensando como um predador e como pode continuar a tendo poder sobre os outros, ela feita embaixadora se vê tendo que lidar com a vida do ativista preso na Rússia em sua consciência; com a solidez inexpugnável de Petrov e seu comportamento abusivo; com o coral do eleitorado americano, que ao mesmo tempo a adora e a critica pesadamente; e eis que a principal aliada de Frank começa a ser vista pelo mesmo como mais um de seus adversários, uma vez que ele não se vê como um assassino, mas como alguém que faz o que tem que ser feito.

Claire, cada vez mais capaz de sentir a influência e o efeito dos seus atos sobre os outros, sente-se desconfortável quando uma mãe eleitora que visita contempla em sua frente atos tão extremos quanto os que os mesmos lançaram mão; sua destituição da ONU é o prego na tampa do caixão em ver que Frank é incapaz de satisfazê-la; a presidência o destituiu cada vez de empatia, compreensão ou de qualquer sentimento que não se possa subjugar ao intelecto e a satisfazer seu ego. O desfecho da terceira temporada é como se a mulher escolhida pelos roteiristas para ser a Lady Macbeth da história ganhasse a dúvida de um Hamlet, e o pesar de Ofélia ou Rei Lear; e o desequilibrado Macbeth ganhasse após algumas provações a crueldade resoluta e a falta de escrúpulos de um Iago ou de um Cláudio. Desse embate de forças, a série dá um importante primeiro passo que parte do âmbito pessoal e microscópico para o mundial e macroscópico. Como o nome da série prevê, tudo o que é necessário para que uma estrutura de cartas caia é uma única parte dela ceder.

Comentários (3)

Júlio César Filho | sábado, 16 de Maio de 2015 - 12:17

Bela crítica!!! Gostei bastante desta temporada! Não tiveram medo de arriscar!!

Ravel Macedo | terça-feira, 26 de Maio de 2015 - 12:04

Depois de duas temporadas bem fracas, nem o bom começo dessa me animou a terminar.

Jose Paulo de Araujo Pietro | quinta-feira, 10 de Março de 2016 - 14:36

Fantástico seu comentário,mas terminei a 4ª temporada.Se puder fazer alguma avaliação,fiquei feliz em ler sua opinião.

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