Um dos cineastas que ajudaram a fazer o cinema ser conhecido como forma de arte.
A morte de Ingmar Bergman suscita uma pergunta irrespondível: quem foi o melhor cineasta da história do cinema? Alfred Hitchcock? Charles Chaplin? Ou o próprio Bergman? Seja como for, o legado de Bergman é único: com ele, o cinema deixou de ser diversão e entrou definitivamente para os cânones da arte. O cinema depois de Bergman tornou-se tão profundo e estarrecedor como qualquer outra manifestação artística.
O sueco Bergman começou a carreira como diretor de teatro, tendo se especializado nos autores nórdicos como ele, Ibsen e Strindberg. Também escreveu peças antes de passar para o cinema. Dirigiu 16 filmes para só então ser descoberto pelo mundo com Sorrisos de uma Noite de Verão, que venceu o prêmio do júri no Festival de Cannes. Trata-se de uma comédia escrita por ele para os palcos e que, transposta para as telas, manteve sua origem teatral.
Nessa época, a crítica cinematográfica brasileira, realmente disposta a entender o cinema e descobrir novos talentos, quando ainda não rendida ao lixo comercial de Hollywood como é hoje, descobriu Bergman antes dos europeus. Filmes como o fundamental Noites de Circo ou o belo Monika e o Desejo foram exibidos em cineclubes no Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e algumas capitais do nordeste antes da consagração em Cannes.
Depois de Sorrisos, um de seus filmes menos marcantes, Bergman concluiu duas de suas mais importantes e conhecidas obras na seqüência, O Sétimo Selo e Morangos Silvestres. Com eles, tornou-se célebre. O Sétimo Selo conta a história de um cavaleiro medieval que joga xadrez com a Morte para tentar salvar a sua vida. Cínico, não acreditava na sua salvação nem da humanidade, no caso destruída pela peste negra e pelo obscurantismo da Igreja, que queimava bruxas e atormentava a todos com a Inquisição. Poucos momentos são mais belos quanto a cena final, um balé macabro em que todos, de mãos dadas, seguem guiados pela morte para o fim metafísico.
Em Morangos Silvestres, depois da inesquecível cena de abertura, com cenários surrealistas, traz a síntese de uma de seus temas prediletos: o egoísmo dos machos. Segundo Bergman, os homens, mimados pelas mães e disputados pelas mulheres, tornam-se mesquinhos e apequenados, incapazes de amar. Conta a história de um professor aposentado que vai receber um prêmio. Leva a nora, mulher de seu filho, na longa viagem de carro. Juntos, terão um dos mais lancinantes acertos de conta já filmados, enquanto dão carona para um trio de jovens que emulam ele, a esposa e um amigo na juventude.
Ao longo de seus 46 filmes, Bergman voltou várias vezes aos mesmos temas, nunca da mesma forma. Seguiu fazendo obras-primas, uma atrás da outra, como Persona, Luz de Inverno, Vergonha, A Hora do Lobo, Face a Face, todas em preto-e-branco. Segundo Bergman, a preferência pelo contraste devia-se ao fato de que os sonhos eram em preto-e-branco e ele filmava seus filmes como sendo pesadelos existenciais. Até que descobriu a cor e mais uma obra-prima, senão a maior de todas: Gritos e Sussurros, a ode em vermelho às mulheres – mais uma vez, uma cena antológica, da mulher que mutila o próprio sexo com uma taça quebrada para não ter relações com o marido.
Convidado a ir a Hollywood, fez um filme com o tema favorito dos filmes sérios para os americanos: a Segunda Guerra Mundial, com direito a nazismo e perseguição aos judeus. Apesar da produção do super produtor italiano Carlo Ponti, do elenco de atores-fetiche (Max Von Sydow e Liv Ulman) e do roteiro do próprio Bergman, O Ovo da Serpente foi um fiasco, tanto comercial quanto artístico. De volta à Europa, voltou à boa forma de antes com Da Vida dos Marionetes e o extraordinário Cenas de um Casamento, entre outros filmes, até que fechou a produção com um marco: Fanny & Alexander, seu mais autobiográfico, terno, afável e acessível – os dois últimos citados foram os mais rentáveis.
Teve de fugir da Suécia natal por problemas com o imposto de renda. Envolveu-se em algumas brigas com os críticos europeus, que na época endeusavam Alfred Hitchcock e Bergman não entendia a razão - o sueco desdenhava do diretor inglês ("infantil", "vazio", "misógino") e cunhou a expressão “cinema de gordo”, uma referência à maneira “pesada” do inglês filmar*.
Bergman voltaria aos palcos algumas vezes e dirigiu o belo Sarabande antes de morrer. Não assistia mais filme algum, horrorizado que estava com a baixaria, o mau gosto, a sofreguidão e o apetite por dinheiro dos novos criadores.
* Texto editado em 28/12/2011 por conta de uma referência errônea ao steadicam.