Cisne Negro. O bem e o mal em prol da perfeição.
Há quem considere um filme apenas entretenimento. Nada além disso. Outros, mais radicais, consideram a sétima arte o autêntico fruto de uma indústria sórdida e capitalista. Uma indústria mais preocupada com os bolsos e nada preocupada com a essência. Para mim, nem uma coisa, nem outra. Filme é experiência. E claro que, como toda experiência, a película pode ser boa ou ruim. Entretanto, meus caros, temos algumas exceções, como é o caso de “Cisne Negro”, onde a experiência ultrapassa as barreiras do bom e se veste fantástica.
Trago esse raso argumento acerca da experiência por acreditar que foi esse o objetivo principal do diretor Darren Aronofsky, da ideia à execução de seu longa. Seja no roteiro, nas atuações, na trilha ou na fotografia, “Cisne Negro” usa de toda técnica e artimanha por um só objetivo: proporcionar uma autêntica, e quase indescritível, experiência com o público. Você sente a dor da personagem. Você absorve a monstruosidade disfarçada do balé. E o mais importante, você se transporta para a luta entre o bem e o mal, entre o branco e o negro, entre a vida e a morte. Não necessariamente nessa ordem.
“Cisne Negro” tinha tudo para ser mais um clichê sobre a garota, aparentemente frágil, que tem um sonho e esse sonho, por sua vez, é ancorado a alguma manifestação artística, seja ela a dança, a música, a pintura ou a literatura. Mas, não. Não mesmo. A trivialidade é esmagada pelo estrondoso roteiro de Mark Heyman, Andres Heinz e John J. McLaughlin. Transporta-se para as entranhas de Nina (Natalie Portman) o clássico “O lago dos Cisnes”, onde a luta entre o seu lado negro e seu lado branco faz imperar a dualidade humana. E é aí, nesse embate constante, que nasce o sonho da jovem Nina: ser perfeita. Mais do que brilhar nos palcos, mais do que ser uma bailarina mundialmente conhecida, Nina quer ser perfeita. Quer sentir-se cisne. E ela se sente. Pode estar certo disso.
Com uma forte trilha, inspirada em Tchaikovsky, “Cisne Negro” não é um filme feito para se buscar sentido, mas sim, ser plenamente sentido. É a metáfora dançante entre os mais complexos sentimentos de uma bailarina perturbada que, ao externar tamanho alvoroço, vê-se transformada em um cisne negro, literalmente. Trata-se de um filme que nos obriga à entrega. Um convite ao estranho, ao fascínio e à perfeição.
Impossível é falar de perfeição sem citar Natalie Portman. Sua atuação foi tão absoluta quanto a certeza da primeira estatueta dourada em sua estante. Ninguém sabia quem levaria o Oscar de Melhor Filme, Melhor Diretor ou Melhor Trilha. Mas todos sabiam quem foi a melhor atriz de 2010. Uma atuação que entra, e pela porta da frente, para a história do cinema. Delicada e brutal. Ingênua e lasciva. Doce e mundana. Dúbia. Portman, a exemplo de Nina, presenteia-nos com uma atuação perfeita. Conseguimos viajar por suas sensações e medos. Tudo é feito com tamanho brilhantismo que, vez e outra, o papel se aparenta de fácil execução. Mas acredite, não o é. Méritos também para a atuação de Barbara Hershey, que interpreta Erica Sayares, a estranha e superprotetora mãe de Nina.
Confesso que em sua edição, “Cisne Negro” gerou certo incomodo. Depois de ver o filme com olhos mais atentos pude perceber a inclusão de cenas que não agregam valor algum. Estão lá só por estar. Tapam buracos que não existem. Nada que diminua ou deprecie o valor do longa, mas, algo que martele para sempre a alcunha de um filme “quase” perfeito. Assim como na edição, são perceptíveis deslizes na fotografia do filme, categoria em que o mesmo concorreu ao Oscar 2011. A câmera, nervosa demais no início, vai se acalmando aos poucos, à medida que Nina liberta o selvagem e negro cisne dentro de si, enquanto que o contrário seria mais prudente.
A verdade nua e crua é que são infinitas as leituras e análises possíveis e sequenciais aos créditos finais de “Cisne Negro”. E isso só acontece por se tratar de um filme com conteúdo. Uma espécie, no mínimo, rara nos dias de hoje. É um filme que transcende, rasga a tela e nos convida à contradança dos mais complexos sentimentos humanos. É o cinema muito próximo da perfeição. Fico feliz em saber que em tempos de besouros verdes e homens azuis ainda possamos contar com um “Cisne Negro” e suas 5 indicações ao prêmio máximo da Academia.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário