Um belo exemplo de como não se adaptar uma obra prima para o cinema.
V de Vingança é um dos melhores HQs de todos os tempos. Alan Moore, com suas críticas bem posicionadas, passíveis de interpretação, seus personagens fortes, ambientação fantástica e clima insuperável, construiu uma sociedade “Orwelliana” , dominada por um governo totalitário, surgido em tempos de desespero.
Se copiar o contexto da obra original fosse tudo, o filme estaria perdido do mesmo jeito, com diversas e cruciais alterações em relação ao HQ, o filme apresenta uma sociedade estereotipada e exagerada, com um governo de poderes e eficiência anormalmente grandes e uma fotografia, que apesar de bela, nada nos clichês da distopia. O próprio contexto e o modo de subida ao poder do partido único do governo ditatorial foram fortemente alterados (Para pior) no filme, além dos clichês “Orwellianos” que por vezes atrapalham... Como por exemplo, a propaganda no início do filme obviamente inspirada pelos “2 Minutos de Ódio”, da obra prima de Orwell, “1984”. Essas mudanças menores (Sim... essas são apenas as menores) somadas a desastres ainda maiores, como a exclusão da sub-trama do Super Computador “Destino” são os ingredientes para esse fracasso cinematográfico.
Os personagens foram mal adaptados e interpretados irregularmente. A decisão de tornar Evey uma mulher adulta afeta o arco dramático principal, deixando-o raso, assim como a sua relação com V que esbanja clichês, em contraste com a original e envolvente relação platônica presente no HQ, problema que aumenta com a interpretação insatisfatória de Natalie Portman. Mas as piores mudanças se deram nos membros do governo tirânico, começando por um inspetor Finch, sem personalidade marcante, exageradamente “bonzinho” e mal interpretado, em contraste com o personagem mais realista do HQ, passando por um Peter Creedy poderoso demais e descambando de vez em um Chanceler Adam Susan (Aqui renomeado para Sutler, para soar mais parecido com Adolf Hitler) totalmente invertido em termos de originalidade e qualidade. Se no HQ o temido ditador era um personagem único e complexo, aberto para interpretações e com um comportamento variando entre a etiqueta e o bizarro, aqui temos o ditador mais ridículo dos últimos tempos, copiando obviamente a figura de Hitler e fazendo comparações falhas com o governo Bush e a guerra ao terror, para piorar, a atuação e aparência de John Hurt só o fazem ficar mais caricato, isso sem contar que ele quase não pode ser notado na maior parte do filme, diferente do HQ onde se podiam encontrar momentos bem focados no obscuro líder da nação.
Até mesmo as críticas inteligentes de Alan Moore foram estripadas, enquanto o HQ poderia atrair leitores de ambos os lados do espectro político, o filme possui uma visão incrivelmente maniqueísta sobre tudo, vetando qualquer tentativa de análise e disparando cenas feitas para manipular os mais inocentes. Alem de tudo, falha em julgar as ações dos personagens, transformando o protagonista, V, em um super herói, quando na obra original o mesmo muito pouco tinha de glorioso e positivo para ser classificado assim, sendo mais um personagem complexo do que um herói, que aqui foi destruído e transformado em um mero meio de manipulação. A interpretação do governo também é reprovada, apresentando apenas os crimes do governo e não dando bases realistas para uma análise mais profunda.
Sendo apenas um pedaço de propaganda esquerdista, independente de sua posição política, a obra prima dos HQs chega às telas completamente mutilada em um filme fraco, estereotipado, vazio e desinteressante. Não agradará os fãs do HQ porque os criadores “emburreceram” a história, não vai agradar o público casual porque não tem ação e efeitos especiais para isso e não passa pela aprovação de um crítico de cinema, mesmo que não conheça a HQ, porque se não fosse uma adaptação de um HQ de Alan Moore, seria mais um filme comum nas prateleiras de uma locadora.
Reprovado!
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