Temporalidade na racionalidade embasbacada com a força do sentimento.
O Transcendental físico e filosófico.
Alguns dos motes desta grande obra, do (cada vez mais ambicioso) Christopher Nolan. Um material de grandeza e profundidade suficiente para figurar entre os grandes clássicos da Ficção Científica e do próprio cinema como um todo.
Parte do viés, já bem usado diversas vezes, apocalíptico onde o planeta viria a ser transformado. Onde haja tempestades de areia e a farta destruição das produções agrícolas pondo o planeta em um grande problema alimentício onde já se estaria a beira da extinção. E eis que uma nave, via operação NASA como sempre, é enviada a um buraco de minhoca na procura por novos planetas habitáveis. Como sinopse solto só isso mesmo.
Questões como percepção da brevidade da vida e a necessidade, por vezes atroz, na luta pela vida são postas em pauta de tal maneira a não se chocarem com questões direcionadas ao afetivo diante do trato científico. Aqui não como um conflito somente, mas sim uma dialética complexa entre razão e sentimento, algumas vezes tentada e poucas vezes obtendo-se sucesso em tantos outros filmes.
Nolan explicita o crescer do envolvimento do elixir de sensações nossas como um motor forçoso para a capacitação científica. Como figuras lutando pela sobrevivência de seus pares podem conflitar-se com a razão da não-extinção? Até que ponto estamos titubeando entre a sabedoria e o instinto de proteção própria, inerente a todos os homo sapiens? Qual o limite disso? A exposição de estratégias moldadas pela força do estudo científico caminham lado a lado com a polivalência dos sentimentos. Porra, lógico que estes sentimentos devem aflorar. Qualquer luta nesta motivação intrínseca traz do ódio ao amor. Nolan põe estes temas na tela e nos faz delinear acerca do que é necessário para a objetivação do desenvolvimento salutar dos seres. Onde vamos com nossa prepotência e arrogância (seus detratores diriam que o próprio diretor seria estes dois adjetivos)? Que valor temos que dar a convivência e manutenção de nossa espécie? Temas que trazem o debate acerca da utilização da ciência em prol do benefício humano em larga escala. A democratização das permanências é mostrada como opção. Ela é válida ou, simplesmente um sacrifício atemporal para poucos deve servir de regência para a condição de subsistir da espécie?
A temporalidade como transformação física cíclica denota a perspicácia do diretor ao expor como podemos controlar as formas de projeção contínua e produção social humana, buscando o combate a contrariedade do pó como elemento de castigo numa reestruturação de um planeta que os expulsa por não necessitar mais destes seres. A seleção darwiniana como analogia de uma esfera referencial de vida na exclusão de uma raça. Forçando a luta pelo existir, a batalha inominável. Esta temporalidade cíclica nos faz compor uma estruturação até a ser mencionada como uma espécie de eterno retorno nietzschiano como há ao encontro final entre as mudanças e permanências temporais materiais e imateriais, como forma a transpor em tela condições de contemplação dialética entre a simplicidade e o absurdo da condição humana. Nolan se permite a dispor de toda uma gama de significações acerca da existência e de nossa própria responsabilidade abundante como seres condicionalmente pensantes e que temos de responder por esta responsabilidade.
Constituições de vida pautadas pelo amor são temas similares à obra prima Árvore da Vida de Terrence Malick (uma das muitas referências de Nolan) são postas a prova a todo instante que o mote de como o amor pode referendar uma luta, mesmo diante de algo primariamente mais grandiloquente, no que tange aqui à salvação da espécie. A crença da consignação científica de mãos dadas com o trato do sentir são postas em pauta em filme metafórico à aspectos chaves do mundo contemporâneo, como nossa condição de desenvolvimento social e moral, menos atrelado ao viés religioso da busca inicial e final da culpabilidade do existir. Não é meramente um salvacionismo burro como mostrado em Avatar ou um sentimentalismo, por vezes, fajuto de Gravidade. É, sim, um estudo acerca do comportamento diante da perplexidade do estar em resposta ao que se aprecia.
Nolan exprime um discurso imagético do que há de melhor do cinema americano mainstream hollywoodiano blockbusterianista. O cinema diante da agregação da condição de arte e entretenimento e posicionamento filosófico-político. Permeando várias searas temáticas, não poderia faltar a "ordem do dia nolaniana" por exemplo, onde o clímax da resolução de problemas repousa na conjuntura da, já tão citada aqui, dialética entre a racionalização e a condição apaixonadamente humana. Isto é transportado diante do amor de um pai por uma filha, onde a temporalidade é visualizada e moldada como aspecto físico análogo pelo controle e descontrole que temos de nós mesmos.
Falar da estupenda parte técnica é realmente chover no molhado. Após a impressão que Gravidade causara não se esperava outra coisa de Interestelar que não fosse uma equivalência. Em comparação ao último, Gravidade vira mero exercício de direção. Interestelar compõe seu visual diante do trato teórico e prático das relações de presença no universo e não um exercício de estética, e buscando ainda ter pés na realidade, por mais absurdo que isso possa aparecer. Tudo está presente para a onipresença do debate da obra. Porém é impressionante o trato visual seco que Nolan exprime a seu modus operandi. Esse visual seco e sem buscas fúteis por figurações inúteis dão cabo a imagens extraordinárias diante do finito e infinito buscados. Uma parte técnica absurdamente grandiosa e ambiciosa em prol da constituição da arte. Tudo com qualidade absurda, desde a extraordinária fotografia (não de Wally Pfister e sim de Hoyte Van Hoytema) à surpreendentemente diferenciada trilha sonora estupenda de Hans Zimmer (que compõe de forma intrigante o clima do longa e,sim algumas vezes, sem os maneirismos habituais do autor).
O excelente trabalho de elenco habitual de Nolan é levado a cabo pelo cara do momento Matthew McConaughey que expõe a caracterização tridimensional necessária para que leve a sério tudo que é proposto. Isto bem seguido por seus comparsas Michael Cane, Ellen Burstyn, Anne Hathaway, Jessica Chastain, John Lithgow e Matt Damon.
Citações e referências a outros materiais aqui, os cinéfilos tem um prato cheio. Planeta dos Macacos, 2001, Contato, Árvore da Vida, Star Wars são só os mais claros. Sempre com muito respeito e buscando sempre o novo (mesmo que tenha um modo operacional similar a de outras obras suas em determinados momentos). Não somente uma pá de referências numa espécie de reciclagem estética.
Aqui temos uma obra de busca pela razão abraçada com o que um pulsar emotivo espontâneo pode causar e moldada pelo amor abusivo ao cinema. Uma ode à arte. Que tantas outras venham a reboque.
Agora escreve a versão resumida e sem afetação intelectual. 😉
Cara não é afetação intelectual, foi apenas a forma de análise que consegui imprimir.
Versão resumida seria alguma coisa como:
Ótimo exemplo de ação, entretenimento bem acabado, aliciador de debates e chutador de bundas se comparamos aos últimos filmes sci fi lançados pelo mercado americano.
Ted, ótima crítica! Nolan está muito bem e, ao contrário do que alguns dizem, o encerramento do filme está completamente explicado e inserido no roteiro. Alguns criticam o excesso de explicação, todavia, ainda com ele, não entendem bem o filme... Grande abraço!
Pois é Adriano a explicações do Nolan não me importunaram tanto. Achei bastante satisfatório. Valeu.