Invocação do Mal (2013) - Review
"Medo é definido como um sentimento de agitação e ansiedade causados pela presença ou iminência de perigo." Vinda da boca de um dos personagens em "Invocação do Mal" (The Conjuring, 2013), a frase ilustra a compreensão que o diretor James Wan tem de um dos mais primitivos instintos humanos, traduzida em uma saborosa mistura de suspense e terror que homenageia os clássicos setentistas do gênero. Mas naturalmente não são apenas as referências que tornam este um dos melhores representantes do horror na última década, e sim o fato de Wan não se limitar a invocar os clichês habituais em busca dos sustos fáceis, geralmente optando em deixar que a mente do público se expanda para preencher o vazio com subjetividade. Em suma, é o triunfo do poder da sugestão sobre o didatismo que por vezes condena produções semelhantes ao ridículo.
Também pudera, não há absolutamente nada de cômico na história da família Perron, que experimentou acontecimentos perturbadores após mudar-se para uma casa de campo em 1971. De início é apenas o cachorro que se recusa a entrar na casa, acusando a presença de um mal invisível aos olhos humanos que se materializa discretamente nos relógios congelados em 3:07 da manhã. Logo começam os odores de putrefação, seguidos de um frio inexplicável nos cômodos. Nada que acenda o alarme em uma família atéia, mas quando as entidades que habitam a casa começam a adotar uma postura mais agressiva além de bater portas, é hora de chamar o casal Ed e Lorraine Warren (Patrick Wilson e Vera Farmiga), renomados investigadores paranormais. Comovidos, ambos farão tudo ao seu alcance para ajudar a família Perron a sair de uma situação desesperadora, inédita em suas carreiras de explicações ao inexplicável.
O script dos irmãos Chad e Carey Hayes é fruto do vasto arquivo do verdadeiro casal Warren, que tem esse e dezenas de outros casos amplamente documentados, elevando a famigerada frase "baseado em fatos reais" à um nível de veracidade raramente encontrado em outras produções que se anunciam dessa forma. No entanto, os gêmeos Hayes não vão logo de encontro ao terror do "caso Perron". Passada a sequência da boneca possuída Annabelle, idealizada para causar o impacto inicial e dar um gostinho do que vem à seguir, a dupla de roteiristas investe o tempo necessário na construção dos personagens e na introdução de temas religiosos que, embora interessantes, nunca chegam a se destacar além do mero pano de fundo, e portanto não assumem a posição de argumento central como pretendido. Não é algo que faça falta, ao contrário das explicações quanto ao histórico sobrenatural da casa, sempre breves e no geral pouco satisfatórias.
Só que esta deficiência narrativa é praticamente imperceptível durante a jornada assustadora guiada por James Wan pelos corredores dessa casa mal assombrada, devido ao amplo domínio técnico que o diretor demonstra ao compôr cuidadosamente uma atmosfera tensa e inebriante, extraindo o máximo suspense até mesmo das situações mais banais. Wan explora uma míriade de técnicas indutórias de terror, consagradas em clássicos como "O Exorcista" (1973), "Os Pássaros" (1963) e "Horror em Amittyville" (1979), que por sinal também foi investigado pelos Warren na vida real. Há aqui uma vasta gama de referências à estes e outros filmes, além dos costumeiros clichês do gênero, com a diferença que aqui todos funcionam e servem ao suspense crescente. O motivo dessa soma positiva é a compreensão que o diretor tem da diferença entre medo e susto, utilizando a cinematografia inventiva de John R. Leonetti para valorizar os momentos que antecedem as aparições. Quando finalmente ocorrem, estas surgem em ocasiões inesperadas, pois Wan costuma sugerir a iminência de surpresas que frequentemente não acontecem, potencializando ainda mais a inquietação constante provocada na platéia.
Lógico que ter um elenco de qualidade à mão faz toda a diferença. Grande parte da tensão em um filme de terror vem do vínculo entre o público e os personagens, e se não há empatia nessa relação, não existe o medo de que algo lhes aconteça. Felizmente, todos os atores estão alinhados com a simplicidade terrena de James Wan. Aqui eles não são estrelas de Hollywood, muito menos Paris Hilton correndo seminua. São apenas pessoas. Pessoas normais, confusas, com atos plausíveis, que se assustam e sentem medo como qualquer um que os assiste. Sofrendo no pólo passivo estão os Perron, representados por um simpático Ron Livingston e uma competente Lili Taylor, que contribuem para tornar crível o drama familiar. No pólo ativo estão os Warren, verdadeiros protagonistas do longa, que tratam o sobrenatural com lucidez e abrem espaço até para o ceticismo em suas investigações. Patrick Wilson e Vera Farmiga funcionam como casal e trazem uma verossimilhança aos seus papéis que afasta qualquer vestígio de ridicularização, tornando tudo ainda mais assustador.
Todos eles são parte fundamental do esforço do cineasta em aproximar o público daquela realidade, utilizando o comum como matéria-prima de seu terror artesanal. E Wan vai além, utilizando o enorme poder da sugestão ao seu favor. Alfred Hitchcock certa vez explicou a distinção entre suspense e surpresa. Quando uma bomba explode sem aviso, isso é surpresa. Quando o público sabe que a bomba vai explodir mas não sabe quando, isso é suspense. James Wan segue esta mesma linha de raciocínio, e embora "Invocação do Mal" seja pontuado de sustos sublinhados por acordes dissonantes, o diretor prefere explorar o vazio, o mistério do mal escondido nas sombras. Subjetividade, é este o substrato do horror promovido por Wan, temperado por uma estética vintage que assemelha o longa aos mesmos clássicos que homenageia. O tempo dirá se esta pérola entrará para o panteão das grandes obras, mas desde já fica comprovado que o potencial humano de preencher as lacunas da realidade com a própria imaginação é a ferramenta mais poderosa do Cinema.
Ah, nem é, Alexandre. Todo filme de qualquer gênero pode ser uma completa aula narrativa; gêneros são apenas rótulos criados para que a crítica e para que o público se guiem. Tudo é Cinema. E mais: o satanismo é poucas vezes abordado; e quando o é, normalmente tais filmes seguem a linha de O Exorcista. (E não vejo problema nenhum em abordar o satanismo.) Na verdade, a maioria dos filmes de terror exploram a capacidade humana em fazer atrocidades, e por aí vai.
Terror é um dos gêneros mais ricos que existem; ele é capaz de colocar - com facilidade - sobre uma abordagem complexa uma superfície espelhada para dar a impressão de ser algo comum, quando no fundo não é. Isso você observa em Cão Branco (o racismo), Poltergeist (o american way of life), O Exorcista (a fé posta em prova) e etc.
Não tire conclusões precipitadas; vá conferir algumas coisas antes.
Caralho, viajando pelo site vi que postei isso aqui: \"Tá aí um filme que nunca vou ver...\" e vi essa bagaça ontem... rs 😏
E aí, gostou Alexandre?
Gostei muito da direção, o filme tem alguns momentos interessantes, mas clichês o tornam um pouco previsível... De todo modo é acima da média.