Lupas (16)
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Zulmira é prisioneira de sua própria moral, representada pela quase etérea Glorinha. A transgressão da protagonista corrói sua sanidade e faz com que fique paranoica. Ela culpa quem testemunhou seu deslize pela doença que a aflige, pois não consegue conviver com as escolhas que fez. A sugestão da cartomante faz com que Zulmira se acorrente a uma sentença de morte e o único vislumbre de liberdade é um enterro invejável. A obra retrata a repressão dos desejos em uma sociedade castrada pela moral.
Carlos Henrique Bianchi Florindo | Em 19 de Junho de 2024. -
Os demônios de Carol são perturbadores e, além dos que ocupam suas ilusões, há aqueles que vivem, dos quais ela não pode se esconder: os homens. É possível que algum tipo de abuso prévio rememorado tenha despertado o descolamento da realidade, fazendo com que o esmorecimento habitual da protagonista desse lugar a um impulso nocivo. Os olhos desajustados de Carol abrem e fecham a obra. Sempre houve loucura por trás de seu olhar ou o mundo a adoecera? A origem da repulsa talvez seja a resposta.
Carlos Henrique Bianchi Florindo | Em 03 de Fevereiro de 2024. -
Irene usa o ódio que sente de si como força motriz para sua caridade. O sofrimento desperta ágape na protagonista, que adota o mundo para compensar a falta do filho. A Itália do pós-guerra, doente e em reconstrução, via benevolência como manifestação de loucura ou de determinada ideologia política. Já não era permitido olhar para o lado, acolher um enfermo ou levar ajuda. Irene viu que não era só seu filho que estava morto, o mundo seguira o mesmo caminho. É uma desoladora obra de Rossellini.
Carlos Henrique Bianchi Florindo | Em 10 de Janeiro de 2024. -
Oharu personifica o sofrimento de gênero em um contexto extremamente opressor. O arco da protagonista se fecha sem redenção, com um progressivo caminhar em direção à margem de seu mundo. A ela, não foi permitido amar, ter conforto, ser confiável ou cultivar esperança. A dor de Oharu só é vista pelo espectador, pois seus gritos são abafados por quem a cerca. Mizoguchi tenta mostrar o que uma sociedade feita por homens faz às mulheres. É desalentador.
Carlos Henrique Bianchi Florindo | Em 18 de Dezembro de 2023. -
O filme vai além de retratar quão opressiva poderia ser, nos anos 70, a rotina de uma dona de casa francesa. É evidenciado como o colapso mental não acontece de maneira abrupta, mas sim paulatinamente, em um crescendo, por meio de erros cotidianos acumulados. Cria-se um incômodo a cada passo que é dado fora da rotina da protagonista. Ao se propor a mostrar com detalhes o dia de Jeanne, a obra atribui ao espectador, explicitamente, o papel que sempre lhe coube: o de voyeur do desastre.
Carlos Henrique Bianchi Florindo | Em 09 de Novembro de 2023. -
Aos moldes de figuras como William Hale, estruturou-se, em torno do povo Osage, uma sociedade corrompida. Por conta disso, mesmo abastados, os nativos ainda eram vistos como cidadãos de segunda classe. Scorcese acerta ao evidenciar que a coerção contra os Osage foi além dos assassinatos, passando por um lento processo de aculturação. É poética a cena em que Mollie se lembra do alerta de sua irmã sobre a degeneração de seu povo, enquanto a câmera aponta para os pálidos rostos de seus algozes.
Carlos Henrique Bianchi Florindo | Em 01 de Novembro de 2023. -
O filme faz um jogo de contraposição: Joana é coerência; a igreja, hipocrisia. A mulher, apesar de sua simplicidade, tem um entendimento profundo sobre fé. O clero, por outro lado, é incapaz de reconhecer o valor da santa, pois está moralmente distante do que ela simboliza. A contradição eclesiástica é ressaltada pela ausência de compaixão. Maria Falconetti quase sempre aparece sozinha em tela, representando uma postura solitária diante da verdade. Dreyer cria um silêncio que grita.
Carlos Henrique Bianchi Florindo | Em 07 de Outubro de 2023. -
O idoso é desumanizado, visto como um fardo antiquado; porém, ele não é apenas passado, também compõe o presente e o futuro. A incômoda ideia de finitude é escancarada quando se vê, nas marcas da pele velha, o que o tempo faz conosco. O conflito geracional sempre ocorreu, mas deve ser abordado, tal qual no filme, de maneira crítica. Frequentemente, o velho abre mão de si pelo novo, como na cena em que a mãe, para poupar o filho da dor de ter que interná-la, pede pelo asilo. Belíssima obra.
Carlos Henrique Bianchi Florindo | Em 22 de Setembro de 2023. -
O inconsciente revela, sem qualquer tipo de censura, o desejo. A personagem, no começo, reprime-se a todo instante, mas os sonhos escancaram sua vontade. Encontra-se quando se entrega ao que quer. O filme faz uso de uma metáfora psicanalítica: nos sonhos, o id; no início, o superego castrador; com o desenrolar da trama, o ego tentando se equilibrar. Uma bela obra sobre as contradições individuais, morais e culturais do desejo.
Carlos Henrique Bianchi Florindo | Em 21 de Agosto de 2023. -
A teatralidade a que o filme se propõe é necessária para a metáfora que representa os regimes políticos da América Latina. A contraposição do Idealismo de Paulo à realidade popular evidencia o distanciamento entre o discurso subversivo e quem ele deveria alcançar. Assim, a carência do povo por algo concreto permite a ascensão de Vieira e Diaz, na esperança de que o pão chegue, um dia, à mesa. A obra é uma representação atemporal da política brasileira: distante do povo, próxima à elite.
Carlos Henrique Bianchi Florindo | Em 28 de Junho de 2022. -
As convenções sociais exigem o uso de máscaras. Em razão disso, a identidade acaba esvaziada por incompletas representações do eu. Bergman consegue, com a sobreposição dos rostos, evidenciar o espelhamento que Alma e Elisabeth fazem uma na outra. De modo antitético, suas personas se mesclam: cuidadora e cuidada; jovial e amarga; admirada e cínica. Entre elas, há identificação, repulsa e complementaridade. Será que resta algo de nós quando ficamos sem máscaras? Talvez nem consigamos tirá-las.
Carlos Henrique Bianchi Florindo | Em 25 de Junho de 2022. -
O filme evidencia as hipocrisias familiares de uma elite em franca decadência moral. A ambientação, quase sempre interna na presença dos irmãos Hubbard Giddens, cria uma sensação claustrofóbica no espectador, que acaba preso àquele ambiente apertado pelos egos da família. O povo é reificado, somente sua labuta importa; afinal, as raposas querem apenas as melhores uvas da videira. No fim, surpreende: Regina consegue o que quer, mas fica sem nada do que precisa. Bette Davis era um fenômeno.
Carlos Henrique Bianchi Florindo | Em 23 de Junho de 2022.