Grande vencedor da Palma de Ouro de 2015, “Dheepan” se situa no contexto da crise de imigrantes para Europa em decorrência de conflitos armado em diferentes países do globo. Nesse filme de Audiard, acompanhamos Dheepan, em ex-soldado dos Tigres Tâmeis – grupo separatista responsável pela recente guerra civil no Sri Lanka –, que resolve abandonar a batalha e fugir para Europa. Para isso, ele se junta com Yalini a fim de se passarem por um casal (na verdade, eles usam os documentos de uma família morta: Natarajan, portanto, todos usam novos nomes, mas, em nenhum momento se preocupam em falar seus nomes verdadeiros). Yalini encontra uma criança órfã para completar a simulação da família, ou seja, na verdade, todos os três são desconhecidos, sem laço algum, salvo a necessidade de fugirem do conflito em seu país.
É interessante notar que, mesmo diante da necessidade em comum, os três personagens não criam um laço de afetividade e de união facilmente, a sensação que nos passa é de que eles estão tão assustados e confusos, desde a terra natal, que se mostram, inicialmente, alheios a esses sentimentos. Nesse sentido, o filme de Audiard chama atenção para o impacto nos personagens não só da migração necessária, mas dos acontecimentos no país natal. Assim, trata-se de pessoas vítimas de sofrimentos em dois lugares: na pátria e no estrangeiro.
Com personagens apresentados de forma bastante realista, sobretudo do trio de imigrantes do Sri Lanka, “Dheepan - O Refúgio” consegue aproximar o espectador dos dilemas dos refugiados em relação à língua do país que os acolhe, mas, sobretudo, de como a necessidade de adaptação faz com que todos os personagens se ajustem àquela realidade (Illayaal, na escola; Dheepan e Yalini, no trabalho). Ainda que a sociedade francesa quase nada seja representada em sua relação com os imigrantes, só em aspectos legais e burocráticos. Certamente isso ocorra devido à aproximação da narrativa com a perspectiva dos imigrantes, por isso o filme pouco abre espaço para retratar a sociedade que os acolhe.
A premissa da qual a película de Audiard parte é rica em elementos dramáticos, aliado a isso, o diretor preferiu realizar a condução da narrativa de forma lacunar, de modo que, em muitos fatos apresentados, o filme prefere não expor explicações mais detalhadas (como a respeito do arranjo entre os três personagens principais). Em se tratando de um filme sobre um tema real (e atual), esse tipo de narrativa é exitosa em alguns aspectos, mas, por outro lado, pode comprometer o aprofundamento do próprio tema ou de sua proposta de discussão. Por exemplo, pode ser descartada a descrição de como Dheepan e Yalini resolveram se unir para sair do Sri Lanka, mas não se poderia descartar uma melhor descrição de como eles conseguiram se estabelecer na França (legalização e acolhimento pelos órgãos estatais, por exemplo).
Enquanto “Dheepan” concentrava sua narrativa no drama da adaptação dos imigrantes, o filme sustentava sua seriedade e relevância em relação ao tema escolhido, entretanto, a mudança da narrativa enfraqueceu essa abordagem. Não porque se supõe que o contato de imigrantes com criminosos deixe de ter relação com seu contexto – não é essa a questão –, mas sim por conta da forma como foi feita: sem qualquer relação com a imigração. Os problemas advindos da relação com Brahim (o criminoso) pouco parecem ter relação com a proposta do filme. As cenas finais em que Dheepan “resolve o problema” com Brahim (mesmo com uma estética particular) mais parecem retiradas de outro filme (um em que o herói tem de salvar a mocinha de uma quadrilha). O rápido desfecho “happy end” também destoa bastante da proposta inicial do filme (se a Inglaterra seria tão boa, por que Yalini não consegui convencer Dheepan antes a irem para lá?).
Afora a mudança de narrativa e de seu pouco aprofundamento em relação a alguns aspectos sobre o tema “imigração”, o filme de Audiard, de fato, fez jus ao prêmio em Cannes. Além disso, se mostra como uma película que procura refletir, de forma séria e esteticamente bem trabalhada, sobre uma questão tão importante na sociedade europeia (e mundial) da segunda década do século XXI. “Dheepan” ratifica a ideia de que o cinema de qualidade também está atento a questões políticas e sociais, sobretudo que retratá-las na sétima arte não implica uma obra panfletária nem precisa comprometer o caráter estético.
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