O que é o cinema afinal de contas? Perguntinha ingrata essa, dada a amplitude de elementos que compõe a miscelânea da sétima arte. Talvez fosse melhor perguntar: o que o cinema pode ser? Acho que sim, é melhor. Mas essa ainda é uma questão de resposta complexa, e que precisa de verticalização para ser respondida.
De um estrato vertical retirado do cinema, surgiria uma infinidade de coisas. A fotografia, técnica de impressão de luz em uma placa sensível, primeira delas, é o material elementar. Ela, quando combinada com o aparato técnico precioso criado pelos irmãos Lumière, o cinematógrafo, produz a ilusão de movimento sobrepondo-se 24 vezes por segundo. Porém, isso ainda não define a sétima arte, pois como bem disse o crítico André Bazin: o cinema é uma linguagem.
Nesse sentido, é justo afirmar que The Amazing Spider Man mal possa ser considerado de fato um filme.
Dirigido pelo americano Marc Webb (da super-afetada comédia romântica 500 Days of Summer), o não-filme é feito à face de seu diretor e possui uma série de falhas estruturais justamente por isso. Oriundo do mundo dos videoclipes, ele parece não ter assimilado completamente o que o cinema é e pode ser.
Logo nos primeiros dez minutos de projeção, já somos capazes de notar a inabilidade de Marc para conduzir a história. Ele utiliza esse tempo para nos situar no eixo narrativo do filme: Peter, ainda jovem, durante uma brincadeira, percebe que sua casa havia sido invadida. Os pais, misteriosos que só, alarmados, decidem deixar o filho com os seus irmãos, Ben e May. Após um salto tremendo, somos atirados na adolescência de Peter. Primeiro visitamos o colégio e descobrimos que ele não é exatamente o modelo de rapaz de sucesso: fotógrafo e segundo aluno da classe, ele é lembrado apenas nos momentos em que os seus companheiros podem se beneficiar de suas habilidades ou tripudiar dele por conta de suas fraquezas; depois em casa, ainda com seus tios, descobrimos que o sumiço dos pais é uma condição permanente, e logo nos é dado o porquê. Tudo assim, rápido, raso e mastigado, tão na cara e cheio de gags como um videoclipe de uma canção pop mal feita.
Quanto mais somos apresentados à superfície da história de Peter Parker, menos compreendemos suas motivações – assim como também não compreendemos as escolhas do diretor, que parecer insistir em ora negar a trilogia anterior e ora se basear nela. Se o início é raso e porco, é exatamente porque Webb quer se distanciar da superioridade da trilogia de Sam Raimi, um diretor evidentemente mais competente, mas não sabe muito bem como.
Não há no filme a ilusão do cinema clássico ou a validação da plasticidade constante no cinema moderno, não há praticamente nada que o transforme em um filme de fato. Isso contribui para o distanciamento de toda a encenação. Webb se mantém afastado de todos os gestos, esse é o modo que ele encontrou para se manter distante da trilogia anterior, e isso não seria exatamente um problema se não aparentasse ser o único artifício que ele conhece. Fato que fica evidente no momento da morte de Tio Ben, quando ele não se detém em nada por mais do que míseros três segundos – é quase uma questão de ritmo: a música sobe e os compassos dobram, as imagens, obviamente (isso, é claro, na cabeça do diretor), precisam acompanhar.
Porém, o filme ainda cumpre com certa função, e que justifica a escolha de um diretor de videoclipes para o seu comando: ele vende uma figura nova do Homem-aranha para essa geração da informação-fragmento-multiuso que pode se tornar consumidora dos quadrinhos – engraçado que essa talvez seja a única dimensão em que Marc consiga trabalhar bem a relação de dicotomia com a trilogia anterior.
The Amazing Spider Man é uma sucessão de videoclipes projetados por mais de duas horas em tela grande. Há quem compre a ideia, curta a propaganda e se interesse pelo produto, mas quem procurava a resposta pra pergunta feita no primeiro parágrafo, descobriu que ela, evidentemente, ficou fora da sala de projeção.
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